Psicólogo agora pode oferecer a cura gay?


Mais uma polêmica envolvendo o Conselho Federal de Psicologia e suas normativas. Dessa vez um juiz do Distrito Federal baixou uma liminar que, na prática, enfraquece a Resolução 01 de 1999 que em tese proíbe o psicólogo de tratar a homossexualidade como doença.

NÃO É A PRIMEIRA VEZ QUE O JUDICIÁRIO TENTA INTERFERIR NAS NORMATIVAS DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA

Já discutimos aqui sobre a polêmica da resolução 10/2010 do CFP que proibia o psicólogo de interrogar crianças vítimas de violência ou abuso sexual. Segundo o conselho, tal ato além de não aferir veracidade de fatos ainda poderia acentuar ainda mais o trauma sofrido. No entanto o judiciário entende que ao fazer tal tipo de proibição o conselho estaria extrapolando suas funções já que somente uma lei teria o poder de proibir um profissional de fazer alguma coisa.

No entanto, a luta do CFP é fazer valer o Artigo 5º da LEI nº 5.766 de 20 de Dezembro de 1971  que cria o próprio conselho, onde na aliena "b" é descrito que que é função do Conselho Federal de Psicologia "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de Psicólogo".

Ou seja, é função do conselho sim dizer o que o psicólogo pode ou não pode fazer!

NO ENTANTO O JUDICIÁRIO SE USA DESSA INTERPRETAÇÃO PARA REVOGAR RESOLUÇÕES DO CFP

Não é de hoje que grupos religiosos querem vender uma cura para o comportamento homoafetivo. Muito antes deste grupo de psicólogos entrar com a ação que resultou nesta liminar a psicóloga Marisa Lobo, do Paraná, que se identificava como psicóloga cristã, especialidade ou área que não é reconhecida pelo conselho porque fere o código de ética, passou por processo disciplinar por alegar realizar a famosa terapia de reversão de sexualidade, a famigerada "cura gay".

Apesar de muitas vezes combater certas práticas científicas, muitos grupos religiosos tentam se apropriar de áreas profissionais como a psicologia para embasar suas afirmações. Em 2016 o TRF novamente defendeu a resolução 01/1999 do CFP rejeitando uma apelação feita em 2012 tentando derrubar essa proibição.

Ou seja, infelizmente o assunto não é nenhuma novidade.

O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA ESTÁ APENAS SEGUINDO ORIENTAÇÕES INTERNACIONAIS

A Organização Mundial da Saúde desde 1990 defende que a homo afetividade não deve ser encarada como doença e sim como uma das diversas formas do comportamento sexual humano. Diversos estudos comprovam que este comportamento não é novo na natureza, estando presente em animais e seres humanos desde seu próprio surgimento.

Imagem: Organiação Mundial da Saúde.

MAS ESTA NOVA LIMINAR AINDA É ALGO RUIM.

Apesar da normativa 01/1999 ainda estar em vigor, a liminar do juiz do distrito federal enfraquece a orientação de que os psicólogos não devem encarar a homo afetividade enquanto doença. O texto da normativa foi mantido, no entanto a interpretação dele ainda está em jogo. Segundo o próprio conselho em artigo publicado no site oficial:
"A decisão liminar do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho mantém a integralidade do texto da Resolução 01/99, mas determina que o CFP a interprete de modo a não proibir que psicólogas (os) façam atendimento buscando reorientação sexual. Ressalta, ainda, o caráter reservado do atendimento e veda a propaganda e a publicidade"
Ou seja, apesar do texto mantido se sustenta o argumento da não proibição. No entanto o artigo do conselho ainda  ressalta que o processo está apenas no início cabendo recursos.

TERAPIA DE REVERSÃO DE SEXUALIDADE É INEFICAZ E CONSTITUI NUMA VIOLÊNCIA CONTRA O SER HUMANO.

Sobretudo é preciso ressaltar aqui que não existem métodos eficazes de se mudar a sexualidade de uma pessoa. No passado foram feitos experimentos até mesmo utilizando intervenções hormonais e cirúrgicas que além de ineficazes acabavam causando sofrimento e levando muitas vezes com que as pessoas submetidas as esses tratamentos cometessem suicídio.

Um grande expoente disso é o cientista Alan Turing que hoje é tido como o inventor da computação moderna que, apesar de sua genialidade notável viveu numa época em que ser gay era considerado crime passível de tratamento compulsório. Recomendo muito que assistam o filme O Jogo da Imitação (2014) que conta a sua história de vida estrelado pelo super ator Benedict Cumberbatch.

Foto: Alan Turing, gênio que passou por sofrimento ao ser obrigado a se tratar por ser gay.

MAS ESTA É APENAS UMA DAS LUTAS DA PSICOLOGIA NO BRASIL.

Não tá fácil ser psicólogo no Brasil, principalmente se você quer fazer ciência e ser ético. Isso porque a resolução 01/1999 é apenas uma das lutas enfrentadas para que a psicologia não se torne uma prática que tem por objetivo servir a certos grupos sociais. A psicologia tem que ser uma prática ética, científica e inclusiva, ou seja, precisa atender a todos com neutralidade, bom senso e sem defender interesses de apenas algumas camadas da população, mas sim de toda ela!

ENTÃO TÁ VALENDO A CURA GAY OU NÃO ESTÁ?

Absolutamente não. Apesar da liminar a resolução do conselho continua valendo. Sua interpretação é que está em jogo. Segundo o parecer do juiz, o que se dá a entender é que os psicólogos só poderiam fazer reversão sexual para fins de pesquisa e sem que haja publicidade sobre tal prática. Os psicólogos que estraram com esta ação alegam que se sentiam "censurados" pelo conselho por não poder pesquisar ou escrever sobre o assunto (reversão de sexualidade), mas isso é um argumento falho tendo em vista que já existem várias pesquisas que comprovam a ineficiência desta prática, como já citamos aqui. Também vale uma menção para o vídeo do canal Nerdologia sobre o assunto que resume de forma bem didática o tema:


Então quer dizer que o psicólogo ainda está passível de processo disciplinar e portanto de perder sua autorização para exercer a psicologia caso ofereça terapia de reversão sexual em seu consultório, mesmo que a liminar cite isso, o processo ainda está em andamento. O que também está em jogo é a pesquisa sobre o assunto. Mas toda e qualquer forma de patologização da homo afetividade é repudiada internacionalmente e principalmente pelo próprio Conselho Federal de Psicologia! Então, não é recomendável arriscar e oferecer essas "técnicas" enquanto profissional de psicologia, principalmente enquanto não houver uma decisão final, até porque considerar doença a sexualidade humana é um atentado aos direitos humanos, ou seja, um absurdo que eu acredito que não será mantido.

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