Psicólogo pode falar de religião? - A ética do discurso político na clínica

Descrição de imagem: foto em preto e branco com pessoas se manifestando onde há cartazes onde se lê "machistas golpistas não passarão" e "contra o sucateamento de toda a ciência". Créditos Pixabay.

O texto a seguir virou um vídeo (com alterações, claro) que pode ser assistido abaixo:


Há poucos anos imperava nas interações sociais uma afirmação quase dogmática em forma de anedota que dizia que política, futebol e religião não se discutem. Isso talvez acontecia porque a formação política do cidadão brasileiro não fosse das melhores. Bom, não que isso tenha melhorado nos últimos anos, mas parece que mesmo sem a formação necessária, diversos grupos se empoderaram de ideologias que fortaleceram sua vontade de opinar sobre o assunto.

E devemos lembrar que antes de ser um profissional, o psicólogo é um cidadão.

O profissional de psicologia está sujeito as mesmas leis que a sociedade, porém, quando em exercício de sua função, são acrescidas as normativas do Conselho Federal de Psicologia, que obriga que se cumpra não só as leis vigentes, como também sejam observadas com cuidado suas orientações.

E o tomo máximo das orientações que o profissional de psicologia deve seguir (além das leis gerais do país) é o código de ética.

É ponto comum que o assunto religião já está firmado como consenso de que não pertence a clínica. Certo? .... Certo? Bem, a situação tem camadas que devem ser observadas. Porque a religião não deve ser usada como ferramenta teórica pelo psicólogo, porque um dos princípios do nosso código de ética é promover a psicologia enquanto "prática científica", o que é incompatível com rezas, preces ou até mesmo orientações baseadas em livros religiosos.

Porém, será que o psicólogo não deve considerar as crenças de seu paciente na hora de acolher o seu discurso? Ou mesmo entender as relações sociais que são estabelecidas por esse sujeito a partir de sua fé, ou de sua relação institucional com ela, ou seja, a religião?

Reforçamos o que é óbvio: o profissional de psicologia não deve indicar tratamentos religiosos, ou mesmo praticar a religião dentro de sua clínica! Mas será que não devemos entender os processos contidos nessas relações sociais? Afinal de contas a fé interfere na visão de mundo daquele sujeito.

Além disso, o psicólogo também não pode em seu atendimento, dentre outras várias práticas, defender ou criticar qualquer religião, ideologia ou coisa do tipo sob o risco de punição, como aconteceu recentemente com uma psicóloga que defendia uma abordagem autointitulada psicologia "cristã".


Mas vejam bem. A ética da psicologia, no parágrafo anterior também diz que, apesar de não poder introduzir convicções religiosas, filosóficas ou ideológicas também diz que não podemos compactuar com atos de opressão

Muito pode-se interpretar daí, até porque mesmo o mais genocidas dos líderes em seus discursos geralmente dizem estar combatendo a opressão de um inimigo externo ou mesmo imaginário sendo sustentação para o psicólogo mal caráter o enganado para justificar apoio a certas práticas políticas e/ou ideológicas.

Mas não há ferramenta teórico metodológica séria - ao menos que eu tenha conhecimento - que se utilize de ideologia política para efetuar a psicoterapia.

Logo o que eu quero que os colegas de profissão entendam é que a ideologia política não entra na clínica como ferramenta, mas sim como variável.

Se entendemos que o ambiente onde está o sujeito influencia diretamente no seu comportamento a situação sociopolítica e sanitária do nosso país é sim uma variável que o psicólogo deve considerar durante suas análises. O profissional de psicologia necessita de forma imperativa de consciência social, ou seja, o psicoterapeuta precisa ter uma visão política de sua clínica, sob risco de fazer avaliações e orientações que não venham a condizer com as variáveis que compõem o discurso e o comportamento daquele sujeito de sua clínica!

A psicologia preta é um dos movimentos que grita esse alerta sobre a importância da política para a clínica psicológica.

Pois, a política direta e indiretamente, é sim motivo de sofrimento psicológico de muitos sujeitos no Brasil de 2021.

É claro que o profissional de psicologia não vai atuar como juiz ou professor do sujeito da clínica, avaliando se a bússola ideológica daquele que é atendido precisa ser "calibrada". Mas sim considerar fatores ambientais que possam justificar aquele comportamento ou até mesmo trazer significado para aquele sofrimento.

Sobretudo, não é o psicólogo que trará a política para o discurso do paciente! 

O discurso do sujeito durante o tratamento é que vai ser o gatilho para que o psicólogo entenda ou não a questão socioeconômica onde o sujeito se insere é de fato uma variável importante para a sua queixa.

Mas veja bem, dissemos antes que o profissional vai identificar se é uma variável importante, pois num país como o Brasil, salvo as exceções, essa sempre vai ser uma variável no discurso de sofrimento do sujeito.

BIBLIOGRAFIA

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