A cura na psicologia.

Para qualquer pessoa que tenha familiaridade com a psicologia, fica tangível que esta área da saúde se questiona frequentemente sobre os conceitos de doença e cura, afinal de contas, a mente humana é um objeto que só pode ser estudado indiretamente, ou seja, através do comportamento ou do discurso (ou comportamento verbal como dizem os psicólogos comportamentais).

A mente não é como um órgão que pode ser fisicamente dissecado, catalogado e analisado, por isso existem diversas interpretações sobre a intervenção no caso de doenças mentais.

Os psiquiatras, dentro do saber médico, procuram tratar as doenças mentais dentro de uma visão mais orgânica, intervindo quimicamente no organismo do sujeito buscando alterar a forma como o cérebro funciona. Porém há esse questionamento de se a mente é realmente o cérebro, ou se o cérebro é tão somente o aparato orgânico que sustenta a mente. Eu, particularmente, acredito que o cérebro é como um computador, sua parte física, as peças, placas e outros componentes eletrônicos enquanto que a mente poderia ser um aplicativo que é executado por esse aparelho.

Os psicanalistas, e quando cito aqui os psicanalistas falo de todas as abordagens psicológicas “projetivas”, são terapêutas cuja técnica precede a psicologia, se valem da intervenção no discurso usando-se de bases filosóficas para sustentar a intervenção que se dá no discurso do sujeito. A psicanálise especificamente nem fala tanto de mente, mas sim do inconsciente, uma espécie de subsistema mental que controlaria todo o resto, sendo a mente ou a “consciência” apenas uma “franja”, ou seja, algo que sobra, desse processamento mental interno.

Os psicólogos comportamentais já acreditam que a mente não existe ou é algo secundário e que, de fato, só podemos intervir no comportamento humano, ou seja, na forma como nossos corpos interagem com o mundo. Eles acreditam que tendemos a repetir comportamentos que são recompensados de alguma forma e se usam de bases biológicas e estatísticas para embasar suas técnicas.

Mas, quando a gente pensa na clínica no geral, no cuidado a uma pessoa que procura por uma consulta, todos os tipos de clínica acabam convergindo para um evento específico: o sintoma. Ninguém vai ao médico sem ter algo do que reclamar. Usamos aqui o exemplo do médico por ser algo bem comum no imaginário popular e porque, de fato, a psicologia nasce dentro do saber médico.

O sintoma é aquilo que incomoda, aquilo que diverge do estado ideal, do comum. É o que nos leva à clínica. E quando pensamos em “cura” estamos pensando, talvez num primeiro momento, na supressão desse sintoma, pois o sintoma é aquilo que incomoda e que queremos que vá embora. Porém, será que a clínica psicológica é apenas o combate ao sintoma?

O medicamento que o psiquiatra passa é para suprimir o sintoma, a intervenção do terapeuta cognitivo comportamental é para que o comportamento indesejado diminua sua frequência. Mas será que abordagens como a psicanálise têm foco no sintoma?

Processos terapêuticos projetivos já foram pensados no sentido de suprimir um sintoma, no entanto, no pensamento moderno, muitas vezes, se entende que o sintoma é uma expressão do sujeito. Afinal, se a subjetividade é aquilo que tange ao campo do particular, do ímpar, do diferente, se o sintoma é o que nos afasta do “normal” também é aquilo que nos afasta da norma, do comum, que nos torna singulares.

Porém, quem vai ao terapeuta para contemplar o seu sintoma e não suprimi-lo? Talvez aí é que esteja o segredo do pulo do gato. Para métodos terapêuticos como a psicanálise, a consciência daquilo que nos torna diferentes exerce não uma forma de controle, mas uma forma de aceitação do sintoma. E quando aprendemos a lidar com o que há em nós que nos difere do outro, dessa norma que reside, talvez, no campo da fantasia, aprendemos a organizar algumas coisas e a expressar essa subjetividade dentro de um texto onde ela tem espaço.

Mas, ainda usando o exemplo do saber médico, ninguém vai ao “doutor” para aprender a conviver com uma dor de cabeça, ou com uma febre. Vamos lá para que aquele incômodo vá embora. Seria portanto a psicologia uma forma de charlatanismo que, diante da falha em conseguir uma cura, constrói um discurso para o sujeito aceitar o sintoma?

Não, por que sintomas são o anúncio de uma patologia. Uma boa clínica médica trata os sintomas, claro, mas ela visa, em foco primário, descobrir suas causas e, através da solução da causa real, suprimir o sintoma.

Talvez a cura da psicologia esteja nessa adequação da subjetividade humana à sociedade que criamos onde, muitas vezes, não cabemos enquanto singularidade. Ou, quem sabe, a aceitação de que as regras que projetamos na sociedade não são condizentes com a condição humana.

Porém, a única coisa certa é que pensar saúde em psicologia não é algo fácil ou simples. A mente é um órgão mutante que varia de sujeito para sujeito e não se mantém no mesmo estado conforme o tempo passa. É por isso que um dos princípios éticos da psicologia brasileira é o seu dinamismo. Afinal, se nosso objeto se transforma a cada encontro, a psicologia não pode ser engessada. Por isso, a cura em psicologia é algo tão relativo quanto a natureza das patologias de seu objeto, esse órgão metafísico chamado mente.

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