O autor como personagem de si mesmo.

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Quem escreve está construindo uma persona? Está interpretando? Decidi escrever esse texto porque percebi que isso não é um conhecimento comum entre as pessoas que se atrevem a escrever. Acho interessante então usar meu próprio exemplo para explicar essa tese. Ao longo desse discurso, vamos discutir a importância de sair de si na hora de construir um texto e se isso é ético ou não.

Recentemente, a questão do humorista que foi condenado por um show stand up comedy me fez pensar sobre a honestidade da arte. Sobre o quanto o artista entrega o produto de seu trabalho enquanto um pedaço sólido da realidade ou apenas um questionamento, um fragmento crítico dela para que quem consome reflita de alguma forma sobre o seu tempo.


Claro, artistas de stand up commedy são atores e estão atuando no palco, e isso óbvio. Mas nem sempre é um pacto claro, pois hoje em dia até mesmo as pessoas que escrevem precisam se mostrar nas redes sociais, elas precisam vender um personagem que vende a obra. E, na minha visão, as redes sociais são um palco onde a arte se vende enquanto verdade. Nas redes sociais a moldura da arte não está clara e a arte pode ser vendida como fato da realidade.

A maioria dos autores famosos de nosso tempo possuem alguma presença nas redes sociais. As vezes, essa presença é institucional. Ou seja, não é o próprio autor enquanto pessoa que se apresenta, mas sim uma instituição que fala sobre ele. As vezes essa instituição é a editora, ou uma empresa de marketing. Mas é alguém falando sobre essa pessoa. Mas a grande maioria das pessoas que escrevem não têm acesso a esse marketing institucional. Portanto, acabam por se venderem a si mesmos.

Principalmente os autores independentes como eu.

Daí, como eu sou 100% honesto o tempo todo (risos), decidi fazer uma reflexão usando a minha própria carreira. Pra isso eu preciso me apresentar de certa forma. Estava pensando que, até hoje, minha escrita teve três fases: a fantástica, a realista e a metafísica.

Na fase fantástica, eu escrevia histórias de fantasia, terror, ficção científica e outros principalmente na forma de contos. O grande destaque dessa fase foi minha obra Sarlack, O Grande Dragão verde, meu primeiro romance que é uma história de fantasia bem leve e descompromissada. Também não posso deixar de mencionar o conto que é uma ficção biográfica de H.P. Lovecraft chamado “Um Sonho de Três Noites” que ganhou um concurso da editora Retropunk e foi publicado pela Editora Draco.

Na fase realista, muito influenciado pelo meu trabalho como psicólogo nas políticas públicas, principalmente as políticas sociais, quando trabalhei com população em situação de rua e outras formas de violência, escrevi um romance chamado “ILLUMINATUS: O Touro de Bronze”, que é uma história que fala sobre relações de poder no interior do Brasil. Na mesma esteira vêm o conto “Saco de Lixo” e meu terceiro romance “Café & Cigarros”, que é uma história de detetives.

Capa de “Café & Cigarros”. Disponível em ebook na Amazon e em edição física no UICLAP.

E agora me encontro na minha fase metafísica, inaugurada pela conclusão de uma obra que eu já venho escrevendo há quase 20 anos, que é “A Palavra-Humana”. Um romance completamente atravessado pela filosofia, onde os personagens conversam com a Pessoa-Que-Lê (leitor) e cujo autor é também protagonista. E o processo de escrita dessa obra é um ótimo exemplo pra nossa discussão.

Mas será que o personagem Autor de A Palavra-Humana sou eu aqui na vida real?

Esse é um questionamento muito sincero e que traz implicações filosóficas bem graves. Pra começar, o que define quem nós somos? Tá, não vamos mergulhar tão fundo.

Voltando ao livro, A Palavra-Humana é um livro que se contém em si mesmo (um conceito básico de meta ficção) e penso que, de alguma forma, o Autor (sim, com “A” maúsculo) é um personagem que começa aparecendo já nas primeiras páginas enquanto personagem. Os avisos no início da obra já são uma visão disso.

Vamos pensar de forma racional. Quem conhece a integralidade do texto sabe que esses avisos são, no mínimo, exagerados. Um destaque interessante a gente pode fazer pro aviso número 3, onde eu falo que é pras pessoas não levarem a sério o que tá escrito lá. Será que isso é um aviso real, ou um pedido que vem com sinal trocado?

Eu é quem tinha que saber isso, né? Mas confesso que quando escrevo sou levado por uma torrente de sentimentos, pois, como diz o tema dessa postagem, eu encarno o personagem daquela obra. E, se você entende um pouquinho de psicanálise sabe que, no fundo, não somos donos do nosso desejo e não estamos no comando das coisas de verdade. No entanto, permitir essa forma de não controle é algo complexo, ainda mais no processo de escrita.

As primeiras versões de A Palavra-Humana tinham o título de Wordman e wordmEn (respectivamente) e eram, a princípio escritas em primeira pessoa por um personagem que sofria de sintomas esquizofrênicos. Ainda mais na escrita em primeira pessoa fica nítida essa “incorporação” de um personagem na hora de escrever.

Além disso, na minha experiência, não existe um processo nítido de escrita, mas sim um fluxo de pensamentos. Não há um raciocínio, mas uma existência em escrita. Um fluxo independente como se o texto ganhasse vida própria. E, se eu não estou aqui, quem está no meu lugar?

A resposta poderia ser esse personagem, “O Autor”. Quando a gente sai de si mesmo para dar o lugar a um personagem, o nome disso é atuação. Claro, isso quando fazemos a coisa num discurso artístico, pois também podemos sair de nós para dar lugar a deuses e outras entidades, mas aí o contexto seria religioso.

Mas esse é o meu processo. E você? Como escreve? Você é uma pessoa que se deixa levar pelos personagens que cria? Você dá vida a farsas? Ou é tudo apenas uma grande ficção de si mesmo?

Pra finalizar, queria deixar pra vocês aqui a introdução de A Palavra-Humana para que vocês entendam a dimensão do personagem Autor desse livro e o lugar que ele ocupa:

Abertura.

No princípio, o Autor descreveu os céus e a terra, mas essas palavras eram sem significado e vazias; e havia trevas no sentido delas. Essa era foi chamada de Lorem Ipsum.

Neste tempo, máquinas de carbono se arrastavam pelo mundo, se multiplicando, mas não eram vivas.

O espírito do Autor pairava sobre as páginas, então ele descreveu: “Que haja poesia.”
Mas a poesia só funcionava quando era lida, então o Autor convidou você, Pessoa-Que-Lê, para uma dança cósmica e, da soma da forma da palavra com a interpretação da leitura, a poesia teve efeito, pois se tornou significante.

E o Autor soprou a poesia sobre as palavras que descreviam as máquinas de carbono sem sentido. E elas se tornaram vivas; o Autor viu que aquelas palavras eram boas e as chamou de “personagens.”

Com o poder da poesia, cada palavra adquiriu um sentido flutuante, podendo significar várias coisas ao mesmo tempo, permitindo aos personagens descrever o mundo à sua volta e, assim, existirem na mente da Pessoa-Que-Lê, tornando-se, de fato, vivos.

No entanto, havia aqueles personagens que sentiam medo das palavras que tinham vários significados, pois não sabiam o que a Pessoa-Que-Lê poderia entender delas. Esses personagens queriam que cada palavra tivesse apenas um significado, que fosse oculto, revelado apenas para si mesmos.

Assim, esses personagens poderiam governar a face da terra sem serem jamais questionados. Diante disso, o Autor decidiu mergulhar em seu texto, na forma de um avatar que ele nomeou “A Palavra-Humana,” para evitar que sua literatura se tornasse fria e estéril e, assim, a poesia pudesse ser protegida.

… E a carne se fez verbo.

A Palavra-Humana pode ser adquirido em formato e-book exclusivamente na Amazon (por enquanto).


Esse texto foi originalmente publicado no meu News letter no Substack. Me segue lá clicando aqui.

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