CASO: A máfia chinesa contra o José Pedreiro

Imagem ilustrativa. Foto em preto e branco de homem de perfil contra uma casa de barro ao fundo.

NOTA: Fatos e nomes podem ter sido alterados para preservar a privacidade da pessoa e instituições envolvidos.

Era um dia pacato no CRAS, por isso eu estava evoluindo alguns prontuários e analisando alguns outros casos que haviam ficado para trás por conta da rotina. É então que o auxiliar administrativo entra na minha sala avisando que havia um atendimento para eu fazer. Um atendimento que, segundo ele, eu era o único habilitado para fazer, o que certamente despertou a minha curiosidade.

O senhor José, um homem de meia idade que se declarou como "pedreiro de profissão" foi guiado até a minha sala. Se sentou, tirou o boné em sinal de respeito, e logo de cara declarou que precisava da nossa ajuda, 

afinal de contas a máfia chinesa estava se escondendo pelos cantos querendo assassiná-lo.

É importante ressaltar que eu nunca havia atendido um usuário com transtorno mental antes. Aquele era o meu primeiro emprego enquanto psicólogo e muita gente ficaria assustada diante de uma fala dessas. Isso é, se esta pessoa não tivesse a formação que eu tinha.

Os psicólogos do SUAS costumam se sentir frustrados com a questão da limitação do atendimento da psicologia dentro dos equipamentos da Assistência Social, isso porque é vetado a prática da terapia, uma das atividades mais reconhecidas da psicologia e a que mais se ensina na universidade. Aí eu tentei me focar na questão psicossocial da coisa, mas sem ignorar o que havia aprendido sobre a clínica dos transtornos mentais, é claro.

Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção no discurso do seu José foi que, apesar de descrever seus delírios a partir de um ponto de vista realista, ele denotava que tinha algo de estranho ali. Ele mesmo transparecia uma certa estranheza sobre o que ele falava, ou seja, estava mesmo que parcialmente, ciente de que seu discurso era fora do comum.

Decidi fazer uma visita na casa do seu José que era bem próxima ao CRAS, já que observando de um contexto psicossocial precisamos sempre envolver a família e a comunidade nas questões do usuário. Afinal, aquilo não era uma terapia.

José morava num quartinho úmido e escuro nos fundos da casa de sua irmã. Ele me apresentou o quintal, sempre apontando os locais onde os mafiosos costumavam se esconder. Também relatou que devido ao rádio da polícia que estava dentro do ouvido dele, o mesmo não conseguia dormir a noite, pois o transmissor ficava narrando as maldades que a máfia chinesa iria realizar caso o encontrasse.

A família alegou que José sempre fora um bom homem, e que há pouco tempo começou com aquele discurso estranho. 

Mas que ainda assim era "tranquilo" e que não dava trabalho.

A esta altura eu já havia acionado a rede de saúde, mas ainda haviam algumas questões que dificultavam o encaminhamento e que, particularmente, me incomodavam. Foi então que num atendimento descobrimos que José havia recentemente parado de beber.

É sabido que o abuso de álcool pode causar transtornos psiquiátricos, ou sintomas dos mesmos quando há crises de abstinência. Além disso, José nos informou que costumava beber em média três copos de cachaça por dia, que já estava há quinze dias sem beber e que a máfia passou a ameaçá-lo depois disso.

Conseguimos então fazer o acolhimento do senhor José no CAPS AD, e então a equipe marcou uma consulta psiquiátrica. Devido ao estado do senhor José, decidimos acompanha-lo e usar o carro do CRAS para levá-lo até a consulta.

O psiquiatra então constatou a minha hipótese e passou um antipsicótico específico para que a crise de abstinência cessasse e assim como os sintomas.

Continuamos acompanhando o usuário durante alguns meses. E ele passou a frequentar o CAPS com assiduidade o que pra mim não foi surpresa, afinal de contas, o homem já havia parado de beber sem ajuda alguma. Ele também passou a frequentar o AA da comunidade.

E, por fim, não demorou muito para que a máfia chinesa o deixasse em paz.

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