Resenha: Django Unchained e um Tarantino Acorrentado



Reza a lenda de que uma vez perguntaram a Quentin Tarantino qual escola de cinema ele cursou e então ele respondeu: "Nenhuma. Eu fui ao cinema".

A história de sucesso do jovem diretor chega a ser quase mitológica para alguns nerds. O nerd antissocial que antes trabalhava numa locadora e do dia pra noite passa a ser um dos diretores mais conceituados de Hollywood. Mas a história humana mostra que o potencial criativo se for representado em gráfico irá desenhar uma curva senoide, ou seja, uma forma de sino em que vai se crescendo até chegar ao auge, e depois se começa a decair, a perder qualidade. Estaria Tarantino “descendo a curva”? Estaria o gênio envelhecendo?

Eu sou um dos nerds que acompanha a mitológica carreira de Tarantino. Depois de me apaixonar por Kill Bill volumes 1 e 2 procurei assistir loucamente a todos os filmes que tinham o toque dele, seja no roteiro apenas, ou nos filmes originais como o genial Cães de Aluguel, Pulp Fiction, Jacky Brown e por aí vai. E em todos esses filmes confirmava-se a lenda de que Tarantino era aficionado por filmes de faroeste, filmes de kung-fu e outros filmes B que poucas pessoas conheciam, mas que segundo a lenda as referências estavam lá. E isso se confirmou quando em Kill Bill 2 percebemos a participação de um personagem que é mito nos filmes de Kung-fu como o arquétipo do do mestre lutador: o “sombracelha branca” ou Pai Mei, que por sua vez é interpretado por Gordon Liu um grade astro dos filmes do gênero.

No entanto, entre espadas, golpes de ninja e até mesmo nazistas se percebia a influência dos filmes B de faroeste, os bang-bangs ou como são conhecidos em Hollywood ou “faroestes Spaghetti” que é um termo que representa basicamente todos os filmes de faroeste não produzidos nos EUA, em especial os italianos que tiveram grande notoriedade a partir dos anos 70 e cujo expoente era ninguém mais ninguém menos que o diretor eternizado Sergio Leone.

Foi então que depois de matar Hitler em Bastardos Inglórios, Tarantino explodiu a cabeça de seus fãs  mais uma vez (eu incluso) anunciando que, finalmente, faria um faroeste.

"E fomos ao delírio.  Um faroeste por Quentin Tarantino era a única coisa que faltava."

O nome por si só já é uma grande homenagem aos filmes “Spaghetti” de faroeste. Django  é o nome de uma série de personagens a protagonizar filmes de faroeste. No meu favorito, Django carrega um caixão pela cidade, em busca de vingança pela morte de uma “mocinha” até que no final revela o conteúdo de seu caixão: uma metralhadora giratória que culmina num banho de sangue dígno de Kill Bill.

Porém o Django de Tarantino começa tímido e amuado. Com cenas longas e arrastadas, e com diálogos que, na minha opinião desperdiçam o talento de Cristoph Walts que vimos em Bastardos, o filme fez me perguntar no primeiro ato se aquilo era realmente uma obra de Tarantino. Os closes vertiginosos, os cortes secos, e os filtros que remetiam a filmes B usados em alguns flashbacks me remetiam sim ao estilo Tarantinesco de se contar histórias, mas o roteiro não. E isso é grave.

Repleto de diálogos descritivos, que são encontrados em qualquer filme de sessão da tarde, a comparação de um dos personagens da caça a recompensa com o mercado de escravos parece uma sombra se comparados a diálogos geniais como a referência a Superman em Kill Bill, enquanto que a piada da Ku-Klux-Klan soou forçada, também parecendo ser uma sombra de sacadas como “like a virgin” em cães de aluguel.

Um dos grandes méritos de Tarantino era a profundidade de seus diálogos, a capacidade de apresentar um personagem e toda sua história de vida numa conversa não descritiva, ou seja, uma conversa casual descontextualizada com a trama principal do filme, mas que ainda assim é capaz de revelar a profundidade do personagem e muitas vezes suas histórias.

Os diálogos em Django são em geral descritivos, como na maioria dos filmes de Hollywood, servindo apenas para explicar a trama, justificar as ações dos personagens, dar um gancho para um flashback, enfim... Diálogos comuns de cinema.

Enquanto isso no elenco, o mesmo Tarantino que lançou Samuel L. Jackson para o mundo e ressuscitou John Travolta parece não ter sabido aproveitar Leonardo DiCaprio que não consegue se sustentar nem mesmo como vilão do filme tendo um papel dúbio nesse sentido e limitado a diálogos vazios em cenas que tentam imprimir uma tensão ao clima, mas que não chega nem perto de diálogos como os da primeira cena de Bastardos Inglórios. Enquanto isso vemos um Samuel L. Jackson contido, num papel completamente inusitado que se revela no fim das contas o verdadeiro vilão do filme, porém isso ocorre numa altura da história em que o personagem não podia ser mais explorado. E o que falar do protagonista?

Diferente dos Westerns com “homens sem nome” que conseguem imprimir com sua presença de tela e linguagem corporal a clara mensagem de “eu sou o mocinho”, Jamie Foxx o confuso Django de Tarantino se perde entre o escravo que não sabe o que significa “positivo” e tem receio de matar um fugitivo acompanhado de seu filho e o frio pistoleiro que é capaz de enfrentar o “senhor da fazenda” com sacadas de ironia e deixar um homem ser devorado por cachorros com sangue frio para sustentar sua farsa e cumprir sua missão. Foxx não convence enquanto herói, não convence enquanto personagem “vingativo” e convence menos ainda como “mocinho de western” lembrando muito a atuação de Hayden Cristensen em Star Wars Episódio III tentando nos fazer acreditar em sua fúria rasa com caretas.

Outro ponto que me incomodou nesse filme foram as trilhas sonoras. Que também costumavam ser pontos em que Tarantino tinha por hábito caprichar. A não ser que esta seja uma referência que eu não tenha percebido, achei algumas músicas muito fora de contexto no filme, principalmente os Raps que o diretor colocou ao longo da projeção. Mas, se alguém souber o real propósito dessas músicas no contexto das cenas me informe, pois eu não vi nenhum.

No entanto, apesar de todos os defeitos apontados acima, Django ainda é um bom filme que, apesar do roteiro linear nos apresenta revira-voltas surpreendentes. Outra coisa que também não falta é sangue. Pra quem gosta de violência e sangue, Django é literalmente um banho com cenas de ação e tiroteio que não deixam nenhum fã de faroeste decepcionado. E o traço de Tarantino ainda está lá, seja em raros diálogos, como a sequência da Ku-Klux-Klan ou mesmo na explicação fisiológica do vilão sobre por que os negros são submissos. Mas... Parece que aos poucos Tarantino está deixando seu “traço” se apagar, o que se continuar acontecendo o rebaixará de um gênio do cinema para apenas um ótimo diretor.

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