Comportamento de massa e a autenticação do desejo


Vivemos hoje num mundo meio conturbado que demanda que o sujeito sinta uma necessidade mórbida de ver o seu desejo "autenticado" por um grupo ou uma força superior qualquer.

Hoje em dia não basta fazer/ ter/ sentir algo porque se quer, ou simplesmente porque se gosta. É necessário ter um selo de autenticação criado por algum grupo social de que definitivamente aquilo é o "melhor", e isso tira o sujeito da jogada. Gostos não são mais autenticados pelo sujeito, pela personalidade, mas sim por essa entidade paranoica e ciumenta chamada sociedade.

Isso implica em qualquer atividade da qual o sujeito possa obter prazer.

Não existe mais a prática do hobby, toda atividade exercida tem que dar dinheiro/reconhecimento, senão não vale a pena. E tem de ser de um dia pro outro. A mídia estabelece padrões mágicos, jornadas heroicas e carreiras meteóricas como projeto de vida para o sujeito comum.

Você tem que ser o melhor, senão está morto. Se vai fazer algo, tem que ser pra tirar vantagem, senão é otário.

Não existe mais o fazer "por prazer".

Não me surpreende que muitos adolescentes, quando questionados sobre seus planos para o futuro, em grande maioria querem ser jogadores de futebol ou modelos/atrizes ou coisas do tipo, e quando questionados ainda mais sobre como vão fazer pra chegar lá, raramente têm um plano. Pois são carreiras anunciadas pela mídia como "mágicas" onde um anjo desce dos céus num evento deus ex machina e transforma aquele desconhecido numa pessoa rica e famosa. No entanto, como bem sabemos a realidade é bem diferente disso, o que gera um sujeito frustrado que acredita que é azarado ou até mesmo infeliz porque nada mágico caiu do céu em sua vida.

Valores como trabalho e esforço não são mais difundidos.

Até mesmo a religião moderna tem sido influenciada por esse tipo de pensamento. Se você não é bem sucedido, em algumas delas, isso significa que é menos abençoado. Se têm problemas, isso é culpa do demônio, não sua ou da sua falta de esforço, ou incompetência. Venho de uma família muito religiosa, e minha lembrança da maioria das orações realizadas era pedindo saúde e proteção. Temas pelos quais somente uma autoridade divina teria o poder de interferir. Hoje em dia se ora pedindo um bom emprego, um carro, dinheiro...

A religião que antes, ao menos na minha experiência era uma área da emoção, da espiritualidade, está tomada pelo pensamento mágico. Onde associações esquizofrênicas são feitas para justificar a falta de capacidade do sujeito de lutar por seus sonhos. A grande expansão das teorias de conspiração no meio religioso são sintoma deste tipo pensamento. O mito dos illuminati, por exemplo, é muito discutido dentro das sociedades religiosas e prega, de certa forma, que você só pode ser bem-sucedido na vida se tiver algum acordo obscuro ou pacto com o demônio.

Essa questão é realmente grave pois leva o sujeito a desenvolver uma personalidade apática e frustrada, afinal de contas seguindo esta lógica de pensamento que estou descrevendo:
  • Se é difícil, não se faz. Tudo tem que ser mágico e fácil. O sujeito cresce achando que ele é "o escolhido" o herói de uma grande jornada já prevista pelas estrelas. Se ele tem que se esforçar pra alcançar um sonho ele se sente pior do que os outros.
  • Se ninguém for notar, não vale a pena fazer. Não se fazem mais artistas que exercem a arte por simples e pura expressão da alma. Hoje em dia se faz arte como uma expressão do ego. Como diz a música da banda Mundo Livre S/A "computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro".
O reconhecimento social no entanto não deveria ser condenável. Afinal de contas todos devemos prestar contas a sociedade de nossos atos. Mas o que é questionável é condicionar nossas ações a aprovação social antes de qualquer coisa.

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