O que faz um psicólogo social?

Caro estudante, 

Quando você entra na faculdade de psicologia (assim como em qualquer outra) você carrega consigo as expectativas correspondentes aos arquétipos da profissão. No caso do psicólogo você imagina que vai dar uma de Don Corleone: se sentar atrás de uma mesa, escutar com paciência e dar bons conselhos.

Bom, se você tem um pouco de juízo na cabeça sabe que essas expectativas nunca se sustentam, e que na maioria das vezes você só vai entender realmente do que se trata a sua profissão quando estiver exercendo.

Se você, estudante de psicologia, vier me perguntar o que eu faço eu vou te dizer: "muitas coisas", e muitas delas são apenas ensaiadas na faculdade. Vou enumerar alguns dos fatos mais importantes sobre a prática do que chamo de "o que faz um psicólogo da vida real":

Primeiro,

se você espera ficar sentado atrás de uma mesa dando conselhos, pense em outra profissão. 

Enquanto estou tentando explicar pra todo mundo a diferença entre a minha profissão e a de um assistente social, eu fico perambulando pelo fórum como uma barata tonta pedindo favores, intervenções, interdições, só para que os advogados e assistentes sociais olhem torto e perguntem "o que você está fazendo aqui?", mas sem desistir da missão de ajudar alguém que está em sofrimento e precisa de algum cuidado especial, afinal de contas, essa pessoa depende de você.

Também vivo mandando cartas para uma paixão platônica chamada "Ministério Público", que em minha inocência, aguardo que ouça minhas súplicas.

Você vai andar de ambulância, vai fazer intervenção com usuários em pleno surto (coisa que nem Freud faria), vai ter que contar muitas vezes com o apoio da polícia de dos bombeiros. 

Muitas vezes vai se sentar diante de uma mesa com gente importante, e quem sabe até discutir políticas públicas com órgãos que imaginam que o seu trabalho e o da sua instituição são completamente ideais e que funcionam como está escrito num papel obscuro criado por pessoas que parecem não entender como o mundo real funciona.

Sobretudo, você vai brigar pelo direito dos outros, e muitas vezes vai esquecer os seus.

Segundo,

você vai ganhar menos do que um professor mesmo que tenha dois empregos (sim, infelizmente essa é a minha referência de quem ganha mal) e mesmo assim vão achar que você ganha bem, porque ainda existem muita gente que pensa que psicólogo é médico.

E vai ganhar essa miséria porque a maioria das vagas para psicólogos, na atual conjuntura, são na área social: onde não existem incentivos do SUS, nem mesmo verbas especiais como o FUNDEB, ou respeito a um conto de fadas chamado "Piso Salarial" que as prefeituras insistem em ignorar. 

E quando for reclamar com o seu conselho, eles vão te dar uma bela duma banana.

Mas quando se é oficialmente registrado, você ainda vai estar no lucro, porque muitas vezes o psicólogo é sub-contratado, ou seja, sofre pressões como psicólogo para que seu serviço seja feito e as vezes faz até mais do que deveria, mas recebe menos do que o mínimo, e muitas vezes sem ter direitos mais básicos de um trabalhador.

Terceiro,

continuando na hipótese quase certa de que você vá trabalhar na área social, pense no seguinte: o estudante de psicologia tem sua formação, na maioria das universidades, voltada 80% para a clínica. A parte social é pincelada, assim como todas as demais áreas.

No entanto, vai ser proibido de chamar de "clínica" as intervenções que faz com os usuários. 

... Mesmo que seja obrigado a mudar valores, resgatar auto-estima, e fazer a escuta das pessoas que você não pode chamar de clientes, ou pacientes, isso porque na área social o nome técnico para as pessoas que se atende é "usuário".

Você vai pra rua, vai invadir a casa, o segredo das pessoas.

Vai atender casos tão crônicos que levantariam a sobrancelha de Freud. 

Afinal de contas, o que é uma crise existencial de um sujeito de classe média que não sabe se gosta do seu emprego comparado a um sujeito que vive na rua e se não parar de beber hoje vai morrer? Ou de um usuário com transtorno mental que não acessa a instituição onde deveria ser tratado e está colocando em risco a própria vida e a sociedade?

Quarto,

você vai amar tudo isso. 

... Menos nos dias em que tudo der tudo errado, seja porque sua intervenção não deu certo, ou porque a "rede"não funciona. 

Mas nos dias em que tudo der certo, e que você perceber que fez a diferença na vida de alguém, você vai se sentir especial, mesmo que seja apenas uma pequena peça no panorama geral.

E você vai reclamar. Mas não vai desistir!

Afinal de contas, o psicólogo também salva vidas, e é nessas horas que você vai entender que um corpo saudável não permanece vivo sem uma mente sã, e principalmente que viver não é apenas estar com as funções vitais estáveis. E no fim do mês, quando você estiver fazendo aquele relatório, vai ver que dá até mesmo pra medir o poder da psicologia. E vai vibrar quando ver no mundo real o que nos livros parecia ser tão abstrato e distante.

Pois eu nunca irei me esquecer que ouvi um dia: "o psicólogo é o cientista da alma".

E aí, estudante. Vai encarar?

Comentários

  1. É bem assim mesmo... Mas vc esqueceu de mencionar a expectativa, inclusive dos profissionais que nos rodeiam - e que, de modo quase lógico esperamos que eles saibam o que faz um psicólogo, porque trabalham conosco - perguntarem "o que é mesmo que o psicólogo faz?" ou pensarem que em 100% das nossas intervenções o resultado deva ser fabuloso (afinal de contas, pensam eles, o psicólogo deve "convencer" as pessoas, "entrar no psicológico" delas - como eu ouço isso! - , para que o trabalho seja realizado "com sucesso" - e "sucesso" aqui infelizmente significando "o outro fazer só aquilo que EU QUERO que ele faça, desconsiderando toda a sua subjetividade).
    Texto muito bom, é uma pena que pouco disso é discutido na faculdade, e é uma pena ainda maior termos que praticamente aprender tudo depois que formamos.
    Abraços!

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