Por que o serviço público (geralmente) não funciona

Descrição da imagem: Uma fila de espera de um hospital no SUS.

O livro "Pai Rico Pai Pobre" é um dos maiores best-sellers de "autoajuda financeira" já escritos. Nele o autor Robert Kyiosaki faz em certa altura uma pergunta que me incomoda até hoje: por que uma pessoa com poder aquisitivo elevado se candidataria a um cargo público?

Isto porque a descrição do trabalho é um salário irrisório e a impossibilidade de ascensão na carreira!

A obra não é nenhum "clássico" da economia e tem muitas críticas, no entanto, a pergunta feita por Kyiosaki acaba fazendo todo o sentido principalmente no Brasil onde vemos com certa frequência empresários, alguns deles milionários, vistos se aproximando do poder público, enquanto cargos de carreira, ou seja, aqueles aos quais só se tem acesso através de concurso, são cada vez mais evitados por profissionais que desejam, minimamente, sobreviver.

Vamos nesse artigo entender por que o serviço público está sucateado e cada vez mais tende a se sufocar num gargalo político que foi criado para este fim.

O primeiro problema está na origem do serviço público.

A ideia principal do funcionalismo público seria contratar pessoas neutras, sem interesses políticos, cujo único fim é desempenhar um trabalho de qualidade para a população. Até por isso, o ingresso se daria através de concurso, e não de indicação.

É interessante notar que isso vai completamente contra os interesses dos governantes, posto que, a maioria esmagadora dos gestores públicos age em interesse próprio.

Portanto não é conveniente se ter funcionários que prezam pela qualidade do serviço, pela ética do mesmo ou até por seus princípios morais. Para os governantes é melhor ter funcionários que lhe devem favores - ou tenham medo de perder seus salários - ocupando cargos-chave para que a governança envolva mais autoridade e menos democracia.

Por isso, principalmente nos municípios temos a grande maioria de funcionários contratados e os estatutários (concursados) possuem regimes que estimulam o abandono do serviço ou a má qualidade do mesmo.

Os governantes não têm o poder legal e nem moral de acabar com os concursados, mesmo que desejem muito isso. No entanto, salvo exceções absurdas como no judiciário ou cargos federais, geralmente as leis que regem o funcionalismo público estatutário são extremamente precárias, não prevendo reajustes ou Planos de Carreira que incentivem a produtividade do funcionário ou mesmo a qualidade. Isto quando muitas não preveem nem mesmo direitos básicos que são garantidos pela CLT.

Há uma visão errada propagada pelos liberais de que o funcionário público é bem remunerado, trabalha pouco e tem muitos privilégios mas isso é uma realidade vivida apenas por alguns poucos privilegiados!

Além disso muitas vezes não há condições de trabalho, e com a crise pela qual o país passa, há atrasos, defasagem ou até mesmo a redução de salários, incentivando com que os estatutários abandonem o trabalho, ou quando não há esta opção, não o façam com qualidade.

Direitos como os da CLT frequentemente não abrangem os concursados regidos por leis específicas que geralmente datam de antes da constituição vigente!

Neste artigo eu já expliquei por que os salários dos trabalhadores precisariam ser reajustados todos os anos. No entanto, há municípios que preveem reajustes de, por exemplo 5% a cada 3 anos, isso tendo em vista que a inflação apenas do ano passado (2016) já passou dos 6%!

Isso acaba tornando o salário cada vez mais defasado, fazendo com que profissionais técnicos que no setor privado ganham a partir de 3 salários mínimos ganharem dentro de uma prefeitura as vezes menos de 1.

Por isso a única forma de ascensão salarial no serviço público é a coleira política!

Os cargos de chefia ou semelhantes, que recebem remunerações melhores, na prática geralmente só são alcançados através de indicação política, o que faz com que o servidor fique devendo favores a uma figura pública, o que subverte completamente o princípio da neutralidade do serviço público.

Se houvessem planos de carreira claros a ascensão viria através do desempenho e não do apadrinhamento.

Se você exclui o desempenho na hora de selecionar um funcionário a qualidade do serviço se torna, digamos assim, opcional.

E desde quando um funcionário mal remunerado, sem possibilidade de ascensão, muitas vezes até mesmo sem capacitação continuada prevista em lei, vai se preocupar com a qualidade do seu trabalho? Esta fórmula para a tragédia pode ser constatada de forma empírica em todas as autarquias, empresas públicas e principalmente nos municípios brasileiros.

Aliás, precisamos lembrar que o tráfico de influência é uma forma de corrupção, e portanto entendemos que deste modo o serviço público incentiva a corrupção!

Não faz sentido esperar que o serviço público funcione se as leis que o regem continuarem caducas e, desta forma, incentivando com que o servidor público busque apadrinhamento político, que é tráfico de influência, para sobreviver.

Pois, quando temos professores que ganham menos que o seu piso ou profissionais de saúde como enfermeiros, nutricionistas e outros que ganham menos do que o mínimo estabelecido para suas categorias, estamos incentivando que bons profissionais não ingressem no serviço público, e com que os que o fizerem certamente procurem coleiras políticas para que sua permanência não se torne insustentável!

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