Por que alguns profissionais querem ser chamados de doutor?

É fato: doutor é quem tem doutorado. E a conversa termina por aí, certo? O bom-senso diz que deveria, mas parece que algumas categorias profissionais insistem em discordar. Nesse texto vamos dizer por que alguns profissionais insistem de forma veemente em se chamarem de doutores, mesmo que não tenham cursado o doutorado.

Quer uma versão resumida dessa história? Assista ao meu vídeo no YouTube. Mas garanto que aqui nesse texto você vai ter muito mais informação:

UMA DETERMINAÇÃO DE DOM PEDRO?

Algumas categorias profissionais, e aqui eu destaco principalmente os advogados, dizem que essa conversa vem de muito tempo, mais exatamente do Brasil Colônia, onde os jovens tinham que sair do país pra cursar faculdade. E aí ninguém menos que Dom Pedro 1º teria emitido um DECRETO ( Lei de 11 de Agosto de 1827) dizendo que todo mundo que tivesse o canudo do Ensino Superior com órgão de classe devidamente regulamentado deveria ser chamado por este devido título.

Tem muita gente que faz questão de se apoiar no decreto de Dom Pedro pra dizer que advogado é doutor (um exemplo: aqui). Mas a situação é muito mais uma mera formalidade do que uma briga por um título em si. Isso no caso dos profissionais que tem o mínimo de bom-senso, é claro.

Isso porque o próprio decreto diz que será conferido o título de doutor a quem tiver adquirido os requisitos para tal. Palavras do próprio imperador do Brasil:

Art. 9.º – Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grão de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes. - FONTE
Imagem: Ilustração em preto e branco de Dom Pedro Primeiro.

CONSELHOS RECOMENDAM SE APRESENTAR COMO DOUTOR:

Para começo de conversa, é importante destacar que alguns profissionais são "obrigados" pelo seu código de ética a se apresentar como "doutor fulano(a)". Quem me falou sobre isso foi uma fisioterapeuta enquanto a gente debatia justamente sobre esse assunto.

No entanto é preciso ressaltar que o código de ética de qualquer profissão é uma recomendação, e não obriga efetivamente ninguém a nada, porque no Brasil "ninguém é obrigado a nada, exceto em virtude de lei", já diz a nossa Constituição Federal.

Tá certo que quando um profissional infringe o código de ética ele pode ter sua licença para trabalhar cassada, mas eu duvido muito que o conselho de fisioterapia ou de odontologia (que também faz essa recomendação) vá caçar um registro profissional por causa de uma bobeira dessas.

Imagem: Foto de Eddie Murphy representando o clássico veterinário do cinema, o Dr. Dollitle.

UM ALEGADO "MÉRITO"?

Como deve ser o caso do exemplo citado acima, há profissionais que realmente exigem ser chamados desta forma por que querem requisitar o título sem ter feito doutorado.

E isso é uma prática que deve ser combatida, porque empurrar um falso título goela abaixo seja de quem for é um ato de segregação. Pelo que entendi, a intenção de Dom Pedro era destacar as pessoas que tinham ensino superior, valoriza-las e talvez assim incentivar que mais pessoas fizessem o mesmo.

Porém, muitas dessas pessoas que "exigem" esse tratamento querem ser, na verdade, separadas do resto da sociedade, como se estivessem numa espécie de pedestal. Isso até é verdade se olharmos de um ponto de vista pragmático, afinal de contas num país em que apenas 14% da população têm curso universitário, o portador do canudo realmente é um ser "especial".

Mas ninguém deveria "tirar onda" por ter sido privilegiado, pois, salvo exceções, o que dá acesso ao tal do papel é condição socioeconômica da família de onde você veio, ou seja: sorte. E nem me venham aqui com papo de "meritocracia" porque isso dá conteúdo pra outro artigo inteiro.

Mas eu costumo dizer que "se você sempre tem que explicar que é algo, é porque na verdade não é", isso porque se você precisa impor a sua importância é um sinal claro de que, talvez, você não seja tão importante assim.

NO EXTERIOR A PRÁTICA DE ALGUMAS PROFISSÕES EXIGE DOUTORADO.

Em países como os EUA o sistema acadêmico é diferente do nosso, que segue os modelos franceses onde temos a graduação (ou o bacharelado), seguido do mestrado e doutorado. Por lá, realmente, quem se torna médico, ou se forma em áreas da saúde como a psicologia, tem que fazer um curso que equivale ao doutorado.

Foto: Doutor House da série de TV homônima segurando uma seringa.

No entanto, apesar das alegações, principalmente de uma galera do direito, o curso que se faz nas universidades brasileiras confere o título de bacharelado em direito, e não doutorado.

Algumas coisas têm mudado nos últimos anos. Eu por exemplo, ao terminar minha faculdade de psicologia me foi conferido o título de "psicólogo" e não de bacharel em psicologia, nem mesmo de licenciatura, títulos que antes vinham no pacote e que agora devem ser cursados separadamente.

Portanto o correto para nós é se apresentar como no título do meu site: Tiago Cabral, Psicólogo.

Mas pra quem pretende trabalhar fora do país isso aumenta ainda mais a confusão, pois muitos órgãos regulamentadores de classe estrangeiros acabam exigindo o título de doutor para exercer uma profissão que por lá consiste num curso de 5 anos ou menos, enquanto aqui no Brasil, para se conseguir tal título a pessoa precisa estudar por mais dez anos (contando com os 5 anos do curso da faculdade, é claro).

RESUMINDO:

Minha grande conclusão é que, sendo bem arbitrário, quem quer ser chamado de doutor é quem não tem o tal do título. Por outro lado, vejo muitas pessoas que têm Ph.D ou mesmo o doutorado comum que se apresentam como professores. Isso porque a polêmica causada por quem não tem o titulo cria uma confusão tão grande por aqui que as pessoas que têm o "direito" de assim serem chamadas estão correndo da palavra.

O fato é que precisamos lembrar que, no fim das contas, aqui no Brasil DOUTOR É UM TÍTULO ESTRITAMENTE ACADÊMICO, ou seja, quem deveria se interessar por ele é quem trabalha, justamente, na área da educação. Ou seja: professores, pesquisadores e afins. Até por que, se você pegar a origem da palavra, vemos que ela vem do latim docere que significa nada menos do que "ensinar".

Se você quer atestar que o conhecimento em direito ou em qualquer área da saúde, se sobrepõe ao conhecimento de qualquer outra área do Ensino Superior; ou que por você ser formado nessas áreas você é mais importante do que uma pessoa que tenha qualquer outro título acadêmico, na boa? Você precisa repensar seus objetivos enquanto profissional.

REFERÊNCIAS:


Comentários

  1. Que eu saiba doutor é aquele que tem doutorado, mas pode ter mudado...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Antes de comentar lembre-se que este site é público e qualquer um vai ver o que você escrever. Portanto seja educado e não revele questões pessoais que possam te comprometer!

Veja também:

Artigos populares