Pra que serve a psicanálise? E por que as abordagens psicológicas não "concorrem" entre si.


Penso que as abordagens da interpretação do funcionamento da mente não concorrem entre si, mas sim se complementam como, por exemplo, as várias áreas da medicina. Não é certo pensar que a cardiologia é a visão definitiva do corpo humano, assim como pensar o mesmo da ortopedia, neurologia e por aí vai. Isso porque essa áreas estudam partes específicas do corpo. O médico que se especializa não deixa de contextualizar o corpo humano como uma estrutura única, mas sua atenção estará focada em um sistema específico, ressaltando é claro que este sistema pertence ao corpo, e este último não funciona sem o sistema escolhido pelo especialista.

PENSANDO NAS ABORDAGENS TERAPÊUTICAS DE FORMA SISTÊMICA.

Tendo em vista este exemplo, é difícil então pensar que a Teoria Cognitivo Comportamental, ou até mesmo o Behaviorismo radical seriam visões definitivas da mente. Afinal de contas, se queremos pensar a psicologia em si enquanto ciência não podemos assumir "visões definitivas" de nenhuma espécie.

Penso portanto que há casos em que a TCC se aplicaria melhor, por outro lado há momentos em que uma visão neuropsicológica possa ser mais acertada ou então pode-se tratar de uma situação de crise onde um encaminhamento para intervenção psiquiátrica seja necessária. Mas há questões em que apenas as abordagens mais filosóficas da psicologia darão conta dos conflitos humanos.

Talvez eu esteja errado em colocar no mesmo pacote abordagens como o humanismo, gestalt terapia e por que não a psicanálise, mas na minha visão é importante destacar que todas elas são baseadas na visão de mundo de um autor (ou vários) e têm por base a filosofia ou mesmo um sistema de conceitos  e arquétipos oriundos dela.

MAS POR QUE ESPECIALIZAR AS ABORDAGENS?

Como dito, é necessário ter em vista que se não queremos classificar as abordagens enquanto concorrentes é preciso ter uma visão funcional destas. Retomando o exemplo do início do texto, o cardiologista se especializa na cura das patologias do coração, e por isso não faz sentido que ele "concorra" com o ortopedista.

Tendo em vista esse argumento, penso que as abordagens de cunho mais filosófico tratam os males que talvez atinjam mais a esfera do "ideal", ou que abordem campos ainda abstratos demais para serem mensurados como o autoconhecimento, ou mesmo a felicidade.

A psicologia mensurável, muitas vezes, se atém a funcionalidade do sujeito. Mas é preciso destacar que nem sempre um ser funcional é um ser feliz ou em equilíbrio psicológico. Há males que surgem quando mesmo os índices comportamentais encontram-se dentro dos padrões estatísticos. E quando a funcionalidade do sujeito está fora de questão, creio que as abordagens de cunho filosófico se destaquem em sua atuação.

Vejo muitas vezes o discurso de profissionais abandonando a visão psicanalítica por alegarem estar "frustrados" com a técnica ou descobrirem que não concordam com ela. Creio que um médico que troque a neurologia pela cardiologia não o faça por pensar que a primeira não funciona ou porque discorda da mesma.

É importante destacar que o psicologo especializado, ou seja, aquele que mergulha numa abordagem escolhida tem que ter ciência dos efeitos e limites da abordagem que escolheu. Afinal de contas é ingênuo querer tratar com a psicanálise, por exemplo, distúrbios funcionais ou sintomas extremamente específicos ou de origem comportamental. Isto não se deve a ineficácia da abordagem nesse tipo de demanda, mas talvez, com a visão da psicanálise alcançar o objetivo do cliente se torne tarefa muito mais difícil, ou até inalcançável.

Freud e Lacan sabiam os limites da psicanálise, e salvo excessões, tinham consciência de quando deveriam recusar ou encaminhar o paciente para outra instância ou técnica. Vejo que por muitas vezes o psicólogo peca em não saber o limite de sua abordagem, ou até mesmo o tipo de conflito mental onde a mesma se destaca.

A psicanálise pode lidar muito bem com conflitos existenciais, ou até mesmo com a razão narrativa de certos sintomas ou comportamentos, no entanto, muitas vezes abordagens mais objetivas darão conta de certas demandas com muito mais eficácia. Isso não é demérito ou ineficiência da abordagem, mas sim consciência de que assim como na medicina, não existe uma técnica universal e/ou infalível que vá dar conta de todas as patologias.

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