Freud explica: "A Forma da Água" e a solidão na pós-modernidade
Vivemos numa sociedade que envelhece cada vez mais chegando agora facilmente na casa dos 80, onde os jovens de classe média deixam os lares quase aos 30 anos, e quando o fazem se tornam seres embebidos na nostalgia da infância.
Não estamos aqui fazendo juízo de valor, estas afirmações são apenas descritivas.
Os jovens instruídos e de classe média da atualidade, apontam estudos, em média não bebem, não fazem uso de drogas ilícitas e até mesmo fazem menos sexo. No entanto, talvez a pior herança desta geração seja o isolamento social.
A tecnologia proporcionou a criação de bolhas virtuais que na vida real incentivam que o sujeito se relacione apenas com iguais.
Com o advento das redes sociais, se você quer fazer parte de um nicho cultural específico isso é extremamente possível, mesmo que apenas no meio virtual. Estudiosos alegam que é por isso que a polarização política tem sido tão forte ultimamente, pois é possível que até mesmo a mais radical das opiniões encontre pares no no mundo virtual.
Porém, no mundo real não é bem assim que a coisa funciona, e encontrar pares tão peculiares no seu território seja, muitas vezes, tarefa árdua ou quase impossível.
É por isso que atualmente a grande maioria dos relacionamentos sociais se torna mecânico,
ou seja, se dá apenas pela convivência como, por exemplo do coleguismo de trabalho; ou a convivências muitas vezes obrigatória entre vizinhos. Afinal de contas a sociedade moderna incentiva relacionamento real apenas entre pares, e os pares precisam as vezes precisam fazer parte de uma subcultura obscura que só é aceita na internet, o que coloca a interação social na esfera utópica.
Talvez seja por isso que "A Forma da Água " tenha tanto significado.
O filme escrito e dirigido pelo consagrado cineasta Guillermo Del Toro, conhecido principalmente por suas obras sob a temática da fantasia ousa ao trazer temas adultos sob a capa talvez nostálgica da fantasia, e acerta ao fazer isso.
Sucessos como a série Game of Thrones provam que escrever fantasia com contexto adulto consegue cativar essa geração. A forma da água nos traz, na prática, um conto de fadas que é o relacionamento entre uma mulher e uma criatura marítima mítica, mas também fala de sexualidade, política, inclusão social e, principalmente, sobre a solidão causada pela sociedade atual.
Apesar de incluir temas como política e sexo, Game of Thrones ainda é uma história de fantasia que, na dimensão emocional é bem rasa. Já A Forma da Água atualiza gênero trazendo personagens complexos que se relacionam de forma multidimensional apresentando emoções de tons variados e por vezes até mesmo antagônicos.
A mensagem mais marcante do filme é sobre como é difícil interagir na era em que "o diferente" é tão tolerado.
Até algumas décadas atrás, ter um comportamento ou característica diferente da massa era motivo para ser excluído da sociedade. Então o sujeito tinha apenas duas opções: adaptar-se ou se isolar. No entanto, no mundo atual, o discurso da inclusão, que precisamos destacar, é o mais cientificamente correto, tem promovido mesmo que timidamente a aceitação das diferenças.
Porém, essas diferenças acabam se tornando uma bandeira sob a qual se reúnem aquelas pessoas com esta característica em comum, e às vezes as impede de fazer um esforço em direção a "média" para que sejam aceitas pela sociedade que ainda é extremamente conservadora.
Talvez o discurso de inclusão esteja promovendo a aceitação do "diferente" por nichos mais intelectualizados da sociedade, mas talvez também esteja promovendo o isolamento social por causar a procura estrita de relacionamentos entre pares culturalmente semelhantes.
Talvez o discurso de inclusão esteja promovendo a aceitação do "diferente" por nichos mais intelectualizados da sociedade, mas talvez também esteja promovendo o isolamento social por causar a procura estrita de relacionamentos entre pares culturalmente semelhantes.
Não temos a resposta sobre qual é a melhor alternativa: ensinar o sujeito a adaptar-se ou pregar a aceitação plena da sociedade das pessoas do jeito que elas devem ser.
Aliás, essa é a dicotomia que vejo todo dia no meu trabalho como psicólogo social. Até onde o sujeito deve se adaptar e até onde devemos militar para que a sociedade o aceite do jeito que ele é?
Só posso dizer que, assim como a protagonista do filme mostra, os sujeitos da sociedade moderna vivem isolados, mantendo interações sustentadas por culturas de nicho que muitas vezes não encontram pares físicos.
Até mesmo o local de residência da personagem é carregada de significado: um apartamento localizado sobre o cinema de onde se podem ouvir os filmes, que muitas vezes são o meio de interação entre a personagem e seu colega de quarto que, apesar de estar culturalmente inserida no mesmo nicho que ela, não podem interagir de forma mais profunda devido as peculiaridades de cada um.
Assim como a protagonista, talvez estejamos correndo o risco de nos manter no isolamento por estarmos esperando não mais príncipes e princesas encantadas, mas sim monstros criados pela nossa imaginação constituídos por um recorte detalhado de todas as nossas fantasias peculiares.
O problema é quando este encontro só é possível no mundo da fantasia...
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