A psicologia de Red Dead Redemption 2


Red Dead Redemption II (RDR2) faz parte de uma linha de jogos de faroeste de mundo aberto desenvolvida pela Rockstar Games, que conta a história de Arthur Morgan, um fora da lei membro de uma gangue que está fugindo através do decadente velho oeste após um assalto que deu errado, e agora eles querem um último grande golpe para sair do país e abandonar a vida do crime.

Para ter ideia da magnitude deste jogo é interessante destacar que a produtora dele também é responsável pela série Grand Theft Auto (ou GTA) cujo último jogo da franquia, GTA V, obteve o título de produto cultural mais rentável da história ultrapassando inclusive a franquia STAR WARS.

O ESTILO NARRATIVO DA ROCKSTAR GAMES:

A série de jogos GTA sempre foi alvo de polêmicas, pois é uma franquia de jogos de mundo aberto que permite que, paralelamente a história, o jogador explore o mundo do game, que é extremamente extenso e permite fazer quase tudo: inclusive matar pessoas inocentes na rua por pura diversão, mas lembrando sempre que este não é o foco do game nem da história, mas sempre foi motivo de polêmica.


É importante destacar aqui que o a proposta das duas franquias GTA e RDR é contar histórias de bandidos, mas é aí que Red Dead Redemption acaba se destacando, principalmente em Red Dead Redemption II.

A série GTA nos conta histórias de bandidos, de uma forma divertida onde o drama fica em segundo plano. Destacando-se a narrativa de GTA V, fica claro que os produtores do jogo quiseram satirizar a própria sociedade americana tirando sarro não só os fora da lei que protagonizam o jogo, mas de conceitos base da psicologia do cidadão americano comum que vão desde o sonho de ser famoso em Hollywood até mesmo construindo verdadeiras críticas sociais ao sistema bancário, a corrupção policial, ao tráfico e abuso de drogas, mas que podem passar despercebidas na narrativa do jogo por conta de um storytelling extrovertido e tão exagerado que por vezes chega a ser bizarro.

Mas Red Dead Redemption II não satiriza o velho oeste, ele o homenageia.

Portanto, se vamos falar aqui de narrativas precisamos colocar que, fora a estética óbvia do velho oeste, um fator que diferencia a série GTA de RDR é o tom da narrativa. É claro que em mais de 60h de campanha o jogo não poderia deixar de brincar ou até mesmo satirizar os clichês do faroeste, mas quando há necessidade de ser dramática a história do game não brinca e consegue fazer com que o jogador se importe com aqueles personagens e tema pelo destino deles.


O interessante ainda na narrativa é o peso que as ações do jogador têm na história, e não estamos falando apenas da mecânica do jogo responder as suas escolhas, o que por si só já é algo fantástico, mas estamos falando da forma como isso interfere na psicologia do personagem.

E falando em mecânica de jogo, é importante destacar que o detalhismo dos diálogos. Os personagens parecem se lembrar de cada aventura que você protagonizou ao lado deles durante o game, além de citarem suas decisões. Foi pensado até mesmo em toques como o vínculo com o seu cavalo pode aumentar ou diminuir dependendo da forma como você o trata, possibilitando novas habilidades se este vínculo for positivo.

A REDENÇÃO POR TEMA:

Mesmo que o leitor não tenha vivido a era de ouro do faroeste nos cinemas, é provável que o tema lhe traga um sentimento de nostalgia. Afinal de contas, apesar dos clássicos modernos, a história do cinema de faroeste reside nos meados do século passado e parte da genialidade da narrativa do jogo está em fazer os personagens passarem esse sentimento.


A narrativa se passa no fim da era mitológica do faroeste datando a história inicialmente em 1899,e os personagens interagem com esse mundo com nostalgia, pois eles deixam claro que o velho oeste como eles conhecem está acabando e não haverá mais lugar na América para pistoleiros, principalmente os fora da lei. 

Essa decadência nostálgica que ambienta o jogo é um prato cheio para quem gosta de filmes de faroeste e é uma ótima forma de homenagear o gênero. Aliás, ninguém menos que o próprio Clint Eastwood, que fez carreira no faroeste, chegou a protagonizar e dirigir um filme com uma temática parecida: Os Imperdoáveis (1992) que também nos mostra um oeste decadente onde os pistoleiros tentam se adequar a uma vida civilizada sem sucesso.


A história, portanto, nos mostra um grupo de pessoas que não se adapta a sociedade, pois não conheceu outra vida sem ser a do crime. Eles acreditam que ao dar um último grande golpe conseguirão dinheiro suficiente para fugir de seus pecados e levar a vida como "cidadãos de bem". 

Porém, na narrativa quanto mais eles tentam fugir de quem são, mais eles se encontram consigo mesmos, caindo nas mesmas armadilhas e chegando aos mesmos resultados, o que para Arthur Morgan, personagem que jogador controla e que protagoniza o jogo, significa tiroteios que terminam em pilhas e pilhas de corpos.

Mas por que a gente  faz isso? Por que nos vemos sempre cometendo os mesmos erros, mesmo quando nos esforçamos pra mudar nosso destino? A psicanálise explica:

COMPULSÃO A REPETIÇÃO:

O que alguns chamavam de maldição, Freud e a psicanálise vieram descrever como compulsão a repetição. Para o pai da psicanálise, enquanto não conseguimos lidar com desejos reprimidos tendemos a repetir processos e nos auto-sabotar chegando sempre aos mesmos resultados por mais que (falsamente) tentemos fazer tudo diferente. Repetimos porque não damos conta de processos inconscientes.


"Em uma análise, no entanto, uma coisa que não foi compreendida, inevitavelmente reaparece; como um fantasma inquieto, não pode descansar até que o mistério tenha sido resolvido e que o encanto tenha sido quebrado". (Freud)

E isto é o que vemos em RDR2, pois mesmo que você faça tudo certo, siga todas as regras e seja educado com todo mundo, Arthur e seus amigos são típicos foras da lei desajustados do velho oeste, e portanto tudo que eles fazem termina em confusão... E morte!

PULSÃO DE MORTE:

E ainda seguindo na linha da psicanálise se diz, principalmente em Lacan, que quando a repetição se torna incontrolável a obtenção de prazer na vida fica prejudicada iniciando um processo o que os psicanalistas chamam de pulsão de morte, que é um processo, resumindo de uma forma bem simplista, depressivo onde sujeito não enxerga mais uma motivação para seguir com seus atos.

A narrativa de RDR2 praticamente desenha isso quando em certa altura o personagem recebe uma notícia que abala ainda mais suas esperanças de conseguir seguir sua vida como um "cidadão de bem" após o "grande golpe" que o líder de sua gangue, Dutch, pretende dar.


Nesta altura, Arthur perde a fé não só em si mesmo e no seu estilo de vida, mas também no seu mentor, o líder da gangue, que parece estar ficando cada vez mais perverso e desviando do código moral que ele mesmo havia inventado para a gangue.

Enfim,

o jogo tem um narrativa com personagens bem construídos e consegue homenagear o gênero em todos os seus sub-tipos indo de referências aos bangue-bangues dos faroestes italianos aos clássicos como os de John Wayne e de séries como Os Pioneiros (1974-1983) na mesma história sem perder o ritmo ou a dramaticidade da história. Uma grande peça de storytelling e sem dúvida uma das melhores narrativas já contadas nesse cenário!

BÔNUS:

Não poderíamos deixar de destacar aqui a presença de cowboys e outros personagens negros que aparecem na história, que também mostra dramas envolvendo índios, mulheres pistoleiras e até mesmo satiriza a Ku-Klux-Klan. A narrativa além de boa é socialmente inclusiva e historicamente acertada nesse ponto.

Aliás, se você quiser saber mais sobre cowboys negros no velho oeste que existiram de verdade, me segue e confira minha thread no twitter sobre esse assunto:

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