O alcoolismo e o povo negro


Já ouviram falar do poliglota Baquaqua, que escravizado no Brasil publicou sua própria biografia? Essa semanas publicamos um texto no Twitter cujo objetivo foi entender o que um nobre africano e a máfia chinesa têm a ver com meu trabalho enquanto psicólogo social.

Se você quiser acompanhar essa discussão no Twitter é só seguir clicando abaixo:

Em seu livro Baquaqua, que era parente e amigo de reis, relata que foi embebedado por inimigos, e vendido como escravo vindo parar no Brasil. Aqui, o nobre sucumbiu ao alcoolismo devido ao sofrimento e quase morreu. Essa história se repete ainda hoje, onde pessoas que sofrem com os mais diversos tipos de infortúnios em sua vida acabam por serem vítimas do alcoolismo numa situação de vulnerabilidade.

Meu primeiro trabalho como psicólogo foi concursado num CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) . Orientado pela abordagem social, aprendi que o psicólogo tem diversas ferramentas de atuação além da clínica, principalmente com grupos e comunidades. 

Um dia o auxiliar administrativo chegou na minha sala dizendo que havia um homem querendo conversar com um psicólogo, e que ele estava muito estranho, e talvez estivesse em surto. Curioso, pedi pra que ele entrasse e pra minha surpresa ele me falou que a máfia chinesa o estava perseguindo, e que eu precisava ajudá-lo pois haviam implantado um rádio na sua cabeça onde constantemente eram feitas ameaças a sua vida!



Interessante ressaltar que é sabido que na época da escravidão os senhores davam acesso a bebida aos negros pois essa enfraquecia seu espírito e os tornavam mais passivos sendo essa talvez a origem cultural do abuso de álcool em muitas famílias.

Continuando a história de Baquaqua, o nobre africano, o mesmo apenas conquistou sua liberdade durante seu trabalho como cozinheiro num navio que aportou em Nova York, onde foi resgatado por abolicionistas e veio a ser o único escravizado negro no Brasil conhecido a escrever sua biografia.

Voltando ao meu atendimento, o que mais me chamou atenção foi que o senhor na minha frente havia me narrado que estava sem beber cachaça há mais de uma semana, pois havia decidido parar sozinho. Foi aí que o rádio da máfia chinesa começou a falar na mente dele. Ele estava em surto, com percepção de espaço e tempo alterados, e discurso paranoico. Entrei em contato com a rede de saúde, e como tínhamos carro a disposição lhe consegui um atendimento psiquiátrico no CAPS AD da cidade.



Atualmente é consenso que fatores sociais e psicológicos como o sofrimento que podem influenciar muito no alcoolismo, às vezes bem mais do que fatores biológicos como predisposição ou a questão química do vício alegam neurocientistas como Carl Hart (foto acima).

Nessa história a gente entende que por anos a associação racista de que a tendência ao alcoolismo é uma falha moral inerente aos negros se revela como mais uma violência cometida contra o nosso povo, a qual os profissionais de saúde precisam estar preparados para atender.

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