Resenha: Apagão - Fruto Proibido


Apagão é um universo ficcional criado pelo escritor Raphael Fernandes que num 2014 imaginou um Brasil sem luz imerso num caos estrutural e político.

Após um blackout generalizado a cidade de São Paulo passou a ser tomada pela violência sendo dominada por gangues que vão de extremistas religiosos que adoram o Deus do antigo testamento a comunidades que acreditam na ajuda mútua e querem reconstruir a sociedade. 

É nesse universo em que se situa o "Fruto Proibido", a história protagonizada por uma gangue de patinadoras.

Tendo como personagens principais uma mulher negra e sua namorada trans, a história conta a busca dessas personagens por sua amiga que está grávida e que foi sequestrada por um grupo rival de patinadoras que uma vez foi parte do grupo delas.

A história traz aquela clima de filme de ação e aventura dos anos 80/90 estilo de "Gangues de Nova York" com uma pitada de "Aventureiros do Bairro Proibido" que traz um sentimento de nostalgia o que por si só é muito interessante pra quem viveu nessa época. Porém o que me chamou mesmo a atenção foi o protagonismo.

"Fruto proibido" não deixa passar gratuitamente temas como desigualdade social, racismo, homofobia e outros provando que as personagens não estão lá apenas pra cumprir uma agenda, como outras obras fazem.

A novela gráfica prioriza a história de ação e o universo fantástico de uma São Paulo pós-apocalíptica que é o berço de diversas histórias incríveis, um universo rico e denso que tem potencial para ser explorado por décadas.

Me peguei procurando referências urbanas da maior metrópole do Brasil perguntando a cada quadro como seria a cultura viva de São Paulo sem uma estrutura básica - o que aliás, se você for na periferia já não está longe da realidade. Porém tendo em vista obras como o recente The Last of Us 2 que retratam cenários reais, fica aquele gostinho de ver um lugar que você conhece sendo retratado num mundo de fantasia.

Por isso é muito importante o destaque para a arte de Abel e Fabi Marques que é incrível e recria de forma majestosa um dos cartões postais mais urbanos do mundo, nos fazendo parar em cada quadro e em alguns deles querer conhecer mais aquele cenário pintado ao fundo, suas rotinas e as pessoas envolvidas neles.

As cenas de ação são muito bem representadas, passando uma fluidez de movimento dos personagens que te faz mergulhar na narrativa visual como se estivesse assistindo um filme. Um destaque que precisa ser feito é o da luta final, que todo filme de ação tem que ter, né?

Sobretudo, Apagão Fruto proibido não se propõe como história de "nicho" e reforça que não há desculpa pra falta de protagonismo nos quadrinhos!

Geralmente histórias protagonizadas por pessoas membros de minoria podem ser entendidas por uma parte equivocada do público como sendo um "nicho", porque algumas poucas pessoas podem entender que, por não se identificarem 100% com os protagonistas não podem gostar da obra.

Porém Apagão Fruto Proibido é uma história de ação que derruba essa teoria furada na base do soco e do chute, trazendo ação no melhor estilo que os quadrinhos podem oferecer, deixando ainda mais claro que sim, é possível haver muito mais protagonismo nos quadrinhos e atrair o público geral ao mesmo tempo ao contrário do que alguns desinformados insistem em repetir.

Além disso a representatividade é um assunto muito importante e uma forma de responsabilidade social das editoras e demais produtores culturais, afinal de contas é também nos espelhos culturais que nos formamos. A falta de protagonistas membros de minoria acentua o preconceito. 

Ter pessoas membros de minorias em histórias com força midiática ajuda a reforçar a autoestima, além de desbloquear possibilidades em sua mente. Ver uma heroína trans e/ou de pele negra pode afirmar o protagonismo da própria história de vida da pessoa que lê!

Mas nem tudo é só alegria...

O grande defeito (se é que podemos falar assim) de Fruto Proibido é o fato da história ser muito curta. Apagão é um universo que contém várias histórias, porém eu achei que as 80 páginas que narram a aventura de Heloísa e Derby são poucas. 

Ao ler a gente fica com aquela vontade de conhecer mais sobre como funciona as gangues das patinadoras, o passado de cada uma delas - e não só das protagonistas -, como elas são treinadas. E olha que aqui estamos falando só de um pequeno recorte desse universo!

Mas essa é uma curiosidade que felizmente pode ser sanada, pois o universo criado por Rafael Fernandes conta com outras histórias em quadrinhos, um áudio-jogo narrado por ninguém menos que Guilherme Briggs (que aliás traz as protagonistas de Fruto Proibido) e agora um boardgame chamado Ruas de Fúria que eu tive o privilégio de testar em primeira mão e que garanto que vai render boas horas de entretenimento numa mesa de amigos.


Financiamento no Catarse:

Apagão - Fruto Proibido pode ser adquirido ao se colaborar com o financiamento coletivo que você encontra nesse link, você também pode adquirir o boardgame Ruas de Fúria além de outros materiais extras desse universo incrível. Dá uma conferida:

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