A origem do meu romance : O Touro de Bronze

Foto (reprodução): Jovem negro usando a máscara do V de Vingança segura a bandeira do Brasil enquanto ao fundo a rua pega fogo.

Em 2011 quando comecei a publicar a série literária ILLUMINATUS: Touro de Bronze na rede era impossível imaginar que o mundo chegaria em 2020 como está hoje: caótico, cheio de medo e teorias da conspiração que são capazes de influenciar o resultado de eleições não só no Brasil, mas também em potências pelo mundo a fora. 

[ATUALIZAÇÃO REALIZADA EM 05/04/2021]

Antes de ler este texto, gostaria de ressaltar que este conteúdo foi publicado em 2015, época em que teorias da conspiração eram - para pessoas sadias e informadas - apenas um exercício de ficção especulativa, e que o autor deste blog não compactua com a divulgação de nenhuma teoria de conspiração, fake news ou qualquer tipo de conteúdo que seja contra os princípios éticos da ciência ou da psicologia.

[FIM DA ATUALIZAÇÃO]

Ainda assim, no início da minha carreira como psicólogo consegui criar uma obra que mexia com todos esses ingredientes, incluindo o aspecto político da coisa. Mas como a gente fez isso? Genialidade? Clarividência? Profetismo?

Não. Apenas um pouco de sorte e as referências certas:

Nessa época as teorias de conspiração eram tratadas como deveriam ser: uma fantasia elaborada por aqueles que têm dificuldade de interpretar o mundo a sua volta. Meu primeiro contato real com essas ideias paranoicas foi através de um livro que me foi apresentado na infância com ares de seriedade. Escrito pelo arqueólogo suíço Erich Von Däniken, que mais tarde se tornaria o idealizador da série do Discovery Channel “Alienígenas do Passado”, o “Eram os Deuses Astronautas” chegou a compor por muito tempo minha coleção de livros científicos apesar de já na época eu achar um tanto estranhas as teorias contidas nele. Porém, como grande fã de ficção científica que eu sempre fui, li aquele livro com certo interesse. 

Foto (reprodução): Capa do livro "Eram os Deuses Astronautas?"

E foi então que eu parti para drogas mais pesadas: um amigo teve contato com uma obra quase mística – se é que podemos falar isso – dentro dos círculos conspiratórios, a obra de ficção(?) O Décimo SegundoPlaneta, do russo Zecharia Sitchin que contava que em algum momento um planeta errante vai cruzar novamente o sistema solar e será então que conheceremos “nossos verdadeiros criadores”.

Imagem: Reprodução da capa do livro "O 12º Planeta"

É importante também dar uma menção honrosa a um livro que jazia perdido na biblioteca dos meus pais e que por acaso me chamou a atenção apesar de ter menos influência na minha obra, que é o “Grande Conflito” de Ellen G. White, porém a pegada escatológica da obra nunca me capturou de verdade, apesar de eu citar a autora no meu conto Mater Mortis.

Porém, ambas as obras conseguiam fazer com que o leitor tivesse um certo distanciamento daquelas teorias de sua realidade, afinal de contas, “Eram os Deuses Astronautas” fala de um passado longínquo, e o Décimo Terceiro Planeta de um futuro incerto. Mas em 2009 a coisa começou a tomar forma política e social quando tive contato com a obra do autointitulado “irmão” Rubens, a série de DVDs supostamente jornalísticos intitulada “Prepare-se”.

Imagem: Captura de tela de trecho do vídeo Prepare-se apresentado por Rubens.

Rubens Sodré, que antes de virar conspirólogo chegou a ser vereador em Nova Iguaçu ainda hoje possui um canal no YouTube com quase meio milhão de inscritos chamado Verdade Oculta, onde produz seus vídeos de cunho político conspiracionista com direito a defesa de teses absurdas como a de que o homem nunca foi a lua tendo por carro chefe a Nova Ordem Mundial, teoria globalista que defende que um grupo de famílias poderosas de origem ancestral pretende dominar o mundo – ah, esse grupo se chama Illuminati.

Reciclando a onda de paranoia pós 11 de setembro com um atraso considerável, Rubens emula o estilo de gigantes da conspiração americanos como Alex Jones, que ficou famoso denunciando a suposta farsa por trás do atentado terrorista em Nova York que chocou o mundo. Mas o processo de importação da paranoia americana promovida por Rubens numa era onde o YouTube já era popular, mas nem tanto, não foi pela rede, mas sim com a distribuição de DVDs que ele mesmo estimulava que fossem pirateados.

A estratégia foi eficaz, pois nessa época os DVDs piratas ainda eram a principal forma de consumo de entretenimento da camada mais pobre da população, o iPhone tinha sido inventado há apenas 3 anos, não tendo os smartphones chegado as mãos da grande massa. Porém, nem mesmo essa estratégia era nova, afinal de contas nas décadas de 80 e 90 eram comuns nos EUA a circulação de fitas K7 e folhetins clandestinos com discursos paranoicos sobre os males do comunismo, alienígenas e tudo mais que você possa imaginar.

Hoje não é difícil entender os ingredientes que levaram a essa febre paranoica da qual sofre a nossa democracia, afinal de contas, nos EUA já era possível observar os impactos políticos da paranoia que, convenhamos, foi criada também pelo próprio estado americano para promover e sustentar suas guerras. O primeiro teórico de conspiração, portanto, foi a máquina estatal. Os influenciadores que surgiram depois apenas surfaram na onda e criaram suas próprias vertentes e camadas desse medo coletivo.

Trazendo a coisa para o Brasil, sendo negro, nascido e criado na periferia ouso dizer que mesmo tão longe dos terroristas e das guerras propagandeados pela máquina institucional americana, nossa nação sempre foi um ambiente fértil para a paranoia conspiratória. Isso porque devido a corrupção e a desigualdade social nossa população sempre nutriu uma extrema desconfiança das instituições, principalmente aquelas ligadas ao governo.

Afinal, quando você vive em situações precárias fica difícil acreditar numa autoridade além daquela que a realidade cotidiana impõe, ou seja, aquela que advém da violência que se manifesta de diversas formas possíveis, seja na violação de direitos, na falta de acessos ou até mesmo em sua forma mais bruta, ou seja, a física.

Além de conhecer essa realidade de perto, me formando em psicologia em 2010 eu passei a trabalhar com essa realidade, só que nesse novo contato com as relações de poder da nossa sociedade brasileira eu tinha agora arcabouço teórico para interpretá-la de uma forma mais crítica.

A última base utilizada para montar essa história foi a obra de Robert Anton Wilson, filósofo e conspirador de esquerda (existe isso?) que falava de uma forma quase séria sobre os Illuminati, e escreveu um thriller em forma de triologia publicado originalmente na PlayBoy americana chamada Illuminatus!, que não tem publicação no Brasil. Ele também escreveu algumas outras obras no mínimo curiosas como Psicologia Quântica, que foi o meu primeiro contato com autor que escreveu vários textos sobre o mundo, a realidade e outras coisas que até têm certo sentido (se você fizer muita força).

Imagem: Reprodução da capa do livro "The Illuminatus! Tryology".

E estavam aí todas as variáveis que precisava para o meu romance. Nesta época senti uma imensa vontade de associar essas teorias e o contexto sócio político do nosso país, ao mesmo tempo em que queria expor essa realidade de forma simples e atrativa para os leitores. Criei então um cenário próximo ao leitor que pudesse apresentar o principal tema do texto: as relações de poder, e a influência que o medo e a desigualdade têm sobre elas.

Infelizmente, meu romance envelheceu muito bem nos últimos anos, se tornando talvez uma possível referência para se entender o nosso país e as relações sociais que acontecem dentro dele.

Meu sonho é chegar o tempo em que essa obra se torne apenas um registro histórico, ou quem sabe, nas minhas visões mais otimistas, apenas uma narrativa de ficção que nada tenha a ver com a nossa realidade.

Leia o ILLUMINATUS: O Touro de Bronze: 

Comentários

Veja também:

Artigos populares