"Ninguém te deve nada" - Uma dicussão sobre coaching e o racismo estrutural

  

Na grande maioria das vezes, quando eu me deparo com um post absurdo de mentalidade "coach" eu simplesmente sigo a vida como se nunca tivesse visto aquela publicação. Eu acompanho de perto o trabalho de muitas pessoas que fazem atividades de mentoria até mesmo sérias, gente com experiência na área a qual se propõem a orientar e com currículo pra isso.

Mas mesmo essas pessoas que se podem ser levadas a sério cometem falhas graves.

Esse é o caso do post que você pode ver acima. Quem lidava com coach quando isso ainda era novidade, viu o conceito entrar em desgraça de longe, e se levava o seu trabalho a sério passou a usar o termo "Mentor". O que eu acho inteligente, e até mais respeitável. Mas a gente não tá falando aqui da semiologia desse povo que ganha a vida (ou parte dela) vendendo técnicas de motivação sem ter experiência NENHUMA com psicologia. Mas sim de algo mais grave e mais perigoso:

A distorção da realidade.

A gente vive num país cuja desigualdade social é imensa, onde impera um racismo estrutural que mata corpos negros diariamente. Eu sei que a fala do colega certamente teve outro contexto, afinal de contas, pra pessoas de classe média que têm desejo de ascender na carreira, certos discursos motivacionais, mesmo que sejam repletos de clichês, podem surtir efeito. Porém, dizer genericamente que ninguém te deve nada, num país com séculos de escravidão, com uma desigualdade social vertiginosa é colocar um óculos cor-de-rosa pra enxergar a realidade.

Com o advento das redes sociais as bolhas se tornaram cada vez mais sólidas e intensas a ponto de fazer certos cidadãos viverem num país completamente diferente das pessoas ao seu redor. Por isso florescem discursos de ódio subsidiados por teorias de conspiração e o discurso motivacional, sobretudo aquele que é baseado na falácia meritocrática, na minha opinião, é um desserviço a comunidade.

Não estamos pregando uma censura aos coachs.

Ao contrário do que podem pensar por aí, eu não estou dizendo que os coachs precisam ser censurados. Mas bato novamente na tecla que a regulamentação da profissão seria uma saída lógica e elegante para este problema. 

Através de uma regulamentação dessa profissão, cursos de formação poderiam ser padronizados, assim como a forma como esses profissionais divulgam o seu trabalho. Talvez a intenção do profissional que divulgou essa mensagem não fosse alimentar o monstro da meritocracia, e sim incentivar quem lê a vincular o seu sucesso a um esforço pessoal maior que pode ser alcançado, mas mesmo assim,

todo profissional precisa pensar em responsabilidade social ao falar de seu trabalho.

Códigos de éticas como o da psicologia explicitam como a psicóloga deve anunciar seus serviços, e principalmente proíbe o profissional de divulgar ou compactuar com a violação de direitos. Fora que faz incluir nos cursos de formação conceitos como o de ética e de metodologia científica, além de fundar um órgão responsável por fiscalizar a prática do profissional.

É por isso que pregamos aos quatro ventos que consciência social num país como o Brasil vale ouro!

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