Crônica - Esperança em tempos de dor

 

Fotografia de ovos coloridos em uma máscara cirúrgica. Imagem de NickyPe por Pixabay

Desde que o homem deixou de ser uma criatura errante que caminhava sobre a terra coletando e caçando, ele passou a contar o tempo auxiliado pelos céus. Sim, o calendário do homem primitivo eram as criaturas brilhantes e misteriosas que enfeitavam o céu noturno.

E foi assim que o homem aprendeu em qual época plantar e qual época colher. Em qual tempo chove, em qual tempo a água se torna escassa. Quando faz frio e quando faz calor. E aprenderam portanto qual era o tempo da esperança e qual era o tempo do sofrimento.

Não é em vão que grande parte das religiões espalhadas pelo mundo têm rituais específicos para cada data do ano.

As religiões mais antigas tinham seus rituais voltados as épocas de colheita, bem como suas culturas explicavam de forma mitológica o motivo por trás dessas mudanças bruscas no ambiente.

Porém, com a evolução social do homem, a natureza deixou de ser um marcador tão importante para o seu comportamento. Não era mais necessário observar que tempo chovia, fazia frio e etc, porque o homem domou a face da terra, fazendo dela o que bem quisesse.

Afinal de contas, hoje para a grande maioria das pessoas saber se vai fazer frio ou calor é apenas uma informação adicional que vai ajudar essa pessoa a decidir se vai sair de casa com um casaco ou um guarda-chuvas. Portanto, as explicações simbólicas criadas para vigiar essas datas passaram a ter importância muito mais cultural do que prática.

Porém, é preciso ter em vista que celebrar a esperança em tempos tão sombrios quanto estes que vivemos no Brasil tem um peso muito grande. 

A páscoa para a maioria das religiões que a observam é sobretudo uma comemoração sobre a esperança.

No Brasil, que é um país de maioria cristã, a páscoa tem um simbolismo de renascimento. E falar de ressurreição num ano onde milhares de vidas foram ceifadas tem um significado simbólico muito grande. Afinal de contas, o mero fato de reunir a família em volta de uma mesa neste domingo pode se revelar um privilégio.

É por isso que, apesar de sempre defender a primazia dos métodos quantitativos nas práticas da psicologia, acabo sempre insistindo aos meus pares que discutir sociedade não pode apenas ser uma análise fria.

É necessário tato, pois muitas vezes, dependendo da forma como abordamos certos aspectos da sociedade, sobretudo aqueles culturais, podemos estar mesmo que sem querer arrancando o pouco de esperança que ainda resta numa mente tomada pela dor.

Claro que existem vírgulas que devem ser feitas sobre as consequências de um respeito inquestionável aquilo que é da ordem cultural. 

Afinal de contas, há muitos que usam a mensagem de amor trazida pelas religiões para, na prática, causar a dor. Mas não devemos deixar de pensar na importância psicossocial por trás de todo repertório comportamental gerado pela religião e suas datas comemorativas, pois para uma grande parta da população, estes comportamentos associados religião e seus rituais são a única forma de reagir aos estímulos aversivos da sociedade em que vivemos.

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