Psicanálise, ciência e censura

 

Recentemente o professor e psicanalista Christian Dunker, reconhecido dentre outros grandes méritos por seu trabalho de divulgação da psicanálise nas redes sociais, trouxe de volta uma discussão que eu mesmo costumo participar com bastante entusiasmo que é a ética científica da psicanálise enquanto prática clínica.

Se você não assistiu o vídeo, recomendo que o faça, pois vai deixar essa discussão muito mais interessante:

Mas, pra começo de conversa temos que partir de um ponto comum: o pensamento psicanalítico é, de fato, ciência.

Apesar das diversas críticas que eu faço a prática psicanalítica é importante deixar esse ponto bem explícito por aqui, afinal de contas essa é uma discussão que pode se tornar muito maior do que a questão da psicanálise.

A psicologia criada por Freud, que é uma psicologia paralela a psicologia comum bebe de diversas fontes que são sim consideradas científicas, e invalidá-la de certa forma invalida também essas fontes que ela usa, o que é muito perigoso

Para descartar o pensamento psicanalítico devemos então de certo modo descartar ciências humanas como a filosofia, a antropologia, os estudos teológicos e vários outros saberes que, sim, ainda hoje têm seu peso dentro da ciência.

Acontece que podemos estar enfrentando uma sequela do fascismo na ciência!

O fascismo como se sabe tende a valorizar mais as ciências exatas ou aquelas de base empírica, afinal de contas, as ciências que tratam do homem, ou seja, humanas, são aquelas que criticam as ideologias, a política, enfim, as relações humanas. Portanto, são as ciências que podem colocar pontos de interrogação sobre regimes autoritários.

Invalidar formas de pensamento humano é sim uma forma de cercear o pensamento como um todo, e talvez por que não pensar numa forma de censura científica?

Porém, temos sim que continuar questionando a prática psicanalítica!

Tendo feito as observações acima, é necessário ter em mente que de fato a psicanálise enquanto prática tem sua própria ética, e não se curva diante dos rigores das práticas de saúde científicas. Ora, isso não é um problema de verdade, afinal de contas a psicanálise abertamente não concorre com a psicologia dita científica e ainda por cima paga o preço cheio de se manter a parte dessas práticas, que é um preço bem caro diga-se de passagem.

Psicanalistas que queiram exercer cargos públicos, não o podem fazer apenas com formação psicanalítica, e até onde sei planos de saúde não entendem a psicanálise como uma prática a não ser como uma ferramenta dentro de uma clínica psicológica. Fora diversas outras sequelas do fato da profissão não ser regulamentada.

Além disso, por mais que Dunker e outros psicanalistas invoquem pesquisas científicas sobre a psicanálise, o fato da ética psicanalítica (em muitos casos, mas não todos) não se propor a cumprir as regras do método científico, infelizmente, faz com que questionamentos continuem sendo levantados.

No entanto, precisamos reconhecer que a psicanálise é um dos pensamentos sobre clínica que mais dialogam sobre a postura do terapeuta, sobre técnicas específicas para a clínica e sobre a subjetividade. Coisa que mesmo as práticas mais científicas da psicologia ainda engatinham em fazer, tendo seu saber ainda apoiado em laboratórios que executam experimentos talvez estéreis e, por que não, distantes de uma realidade clínica prática.

Mas o ponto aqui é que essa discussão não pode ser um interdito do discurso!

Questionar a prática psicanalítica, pra mim, não é invalidá-la! Não é querer que seja proibida sua execução. Discutir é construir discurso! Falar sobre a prática e o pensamento psicanalítico inclusive faz parte da própria ética psicanalítica, e isso é um dos pontos mais fortes dela.

Ao questionar a psicanálise devemos sim fazê-lo num processo de entendimento, de aprendizado para a psicologia clínica como um todo. Senão estamos correndo o risco de estar tentando censurar uma forma de pensamento que talvez os pesquisadores da psicologia comportamental/científica ainda não tenham conseguido entender.

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