A psicologia de Matrix

Descrição da Imagem: Captura de tela de Morpheus (Laurence Fishburn) numa das cenas mais icônicas do filme Matrix (1999).


 O que será que o questionamento da realidade a nossa volta pode ter a ver com a psicologia?

Esse texto virou um vídeo no YouTube que você pode assistir abaixo:

Não existem dúvidas de que Matrix (1999) é um marco não só da ficção científica, mas sim da cultura pop como um todo. Precisamos destacar porém que apesar do filme não ter inventado a grande maioria dos conceitos que utiliza, ele ainda assim tem que ser creditado por popularizar para às grandes massas pensamentos que são até mesmo milenares como a caverna de Platão. Isso sem falar da estética cyberpunk, antes resignada a um subgênero da ficção científica, ao exemplo de obras como o anime Ghost in The Shell - aliás, animação japonesa essa que ganhou um péssimo filme recentemente - e a obra literária Neuromancer.

Porém, esse universo que condensa um monte de ideias geniais tenha sido melhor aproveitado por livros que usam o filme para explicar conceitos de filosofia, como o clássico de Willian Irvin, "Matrix - bem vindo ao deserto do real". Ou mesmo na genial antologia Animatrix que contém histórias como “O Segundo Renascer” que conta a origem daquela civilização, ou fantástico “Recorde Mundial” que conta a história de um esportista tão talentoso que através da sua prática consegue enxergar a Matrix.
Além disso, temos que considerar que o filme talvez tenha mais a ver com a sociedade de hoje do que a da época que foi lançado.

Já se tornou clichê dizer que o mundo digital deixou de ser uma alegoria virtual para se tornar parte da mecânica das relações humanas. A internet e às redes sociais já influenciam nossas compras, nossos relacionamentos e até mesmo nossas decisões políticas. Eleições como a de Trump e Bolsonaro são claros exemplos.

Mas tá. Isso tem a ver com a psicologia social ou a psicologia clínica? Precisamos entender um pouco mais antes de chegar lá.

E é importante a gente destacar aqui que os dois últimos filmes da triologia deixam de explorar aspectos muito interessantes deste universo como por exemplo a relação entre às pessoas e às máquinas.
O agente smith, o grande vilão desta obra parecia demonstrar que existia uma relação de interesse até mesmo filosófico entre as máquinas e os seres humanos.

Além disso, a vida na Matrix que pode ser vista como uma alegoria a rotina diária, que acaba ficando de de lado quando os roteiristas decidiram explorar as relações dos personagens geralmente em Zion, ou seja,fora da simulação, deixando para dentro da Matrix apenas cenas de ação ou revelações que fazem a trama andar para frente, mas sem explorar de verdade o universo que foi criado no primeiro filme.

Além disso, o primeiro Matrix sofre do mesmo problema de Highlander, que no filme original encerra a narrativa num ponto onde o protagonista não tem mais como continuar sendo o foco da história, pois alcança o poder absoluto e não há mais desafios ou obstáculos possíveis de continuar uma narrativa interessante. E isso talvez tenha sido um dos maiores entraves do roteiro das continuações.

Porém o que mais me chama atenção neste universo para este psicólogo é o que eu chamo de os “limiares do despertar”.

Para as diversas abordagens da psicologia existe um conceito de que estamos fadados a repetir comportamentos dos quais não temos plena consciência. A psicanálise chama esse mecanismo de compulsão à repetição. Beck, da psicologia cognitiva, chamou isso de “pensamentos automáticos”, enquanto que na Análise do Comportamento, ou behaviorismo radical, Skinner prega que somos condicionados pelos estímulos do ambiente a repetir comportamentos que foram reforçados.
Não dá pra deixar de mencionar o próprio conceito da Gestalt Terapia que, de forma extremamente simplificada, alega que o sofrimento psicológico se dá por um desconhecimento da forma completa das coisas quando focamos apenas em uma parte delas.

Então já dá pra perceber que esse conceito de que não estamos completamente conscientes de nosso comportamento, de nossas rotinas, e que isso gera um sofrimento psicológico é uma ideia bem frequente na psicologia e que rima bastante com o conceito da Matrix.

No filme, a libertação dos personagens, ou despertar, se dá com a tomada de consciência de que o personagem vive num mundo artificial. Para a psicologia a “cura”, que aliás é um conceito muito complicado nessa ciência, se dá através do conhecimento de seus processos internos, bem como a aceitação deles que permite um controle parcial desses mecanismos.
Portanto, para a psicologia, “sair da Matrix” é entender e aceitar nossos comportamentos, bem como os estímulos que os causam, podendo de certa forma, transformá-los fazendo com que eles deixem de ser fonte de sofrimento.

Aliás, às neurociências dizem que a situação pode ser ainda mais complicada, tendo em vista que o livre-arbítrio vem sendo questionado por vários experimentos que mostram que talvez nossos pensamentos existam apenas para justificar comportamentos que já foram predeterminados.

Além disso, se juntarmos a neurociência à física já está bem claro que nossos sentidos e o nosso pensamento não são a forma mais eficiente de interagir com a realidade.

Nossa visão, por exemplo, só capta uma parte muito pequena do espectro eletromagnético, e ainda por cima, essa informação demora alguns milissegundo pra passar pelos nossos nervos e ser processada pelo cérebro, que aliás, completa quase que arbitrariamente muitas partes da imagem que vemos!

Portanto, de certa forma, a psicologia é uma ciência que mostra o quanto nós estamos presos dentro não só de uma Matrix, mas várias, compostas pela forma como nossa mente funciona, nossos sentidos, ou até mesmo bloqueios físicos que impedem nossa conexão plena com a realidade.

O grande problema é o que fazer com toda essa informação…

Não podemos encerrar sem comentar o primeiro trailer de Matrix Ressurrection que saiu na semana passada, onde vimos que Neo voltou para a Matrix e esse processo pode gerar discussões realmente interessantes sobre esta questão da “repetição”.
 

Comentários

Veja também:

Artigos populares