Ser pobre no Brasil é muito caro
Comunidade do Jaguaré, na zona oeste da capital paulista – Foto: USP Imagens |
Eu não moro mais na periferia há quase 10 anos.
Sou de uma família matriarcal que graças a sabedoria de suas mulheres fugiu do campo e decidiu mudar o destino de seus descendentes. Bom, eu herdei esse espírito.
Quando criança por algum motivo absurdo ao perceber que minha família estava ascendendo financeiramente cismei que precisava estudar numa escola particular. Lá eu conheci outro mundo. Tinha um pessoal que tinha os melhores computadores, a internet da Lan House chegava em casa e eles podiam usar sozinhos.
Lá no meu bairro, eu ficava vendo notícias sobre tecnologia e pensando: "quando será que a internet boa vai chegar aqui?". Foi mais fácil sair da quebrada do que a internet boa chegar lá.
Eventualmente até chegou, mas a velocidade era menor, e o preço era quase o mesmo.
O exemplo da internet se reflete em várias coisas na periferia. Da mesma forma que pagamos o mesmo preço por uma internet pior, muitas vezes o pobre acaba por pagar mais caro por coisas que são de pior qualidade.
Faça uma experiência: no mercado, observe, por exemplo, a quantidade de produtos que vêm em embalagens "mais baratas". Geralmente é muito menos produto por um preço que nem é tão barato assim. Ou então, a qualidade do produto é muito, mas muito inferior ao mais caro, e a diferença talvez não chegue a 30% do valor. Não acredite em mim, vá você ao mercado e faça sua própria pesquisa.
E lembre que pra muitas pessoas, comprar o menor preço não é uma escolha.
O que eu to querendo dizer é que, o pobre SEMPRE paga mais caro por tudo. Sim, num país em que a desigualdade social é assustadora, as pessoas que têm menos dinheiro são as que pagam mais caro pelas coisas! Afinal, voltando ao exemplo do mercado, comprar o produto com o menor preço pode significar pagar muito mais caro por algo que vale menos do que o preço que está sendo vendido!
Todo mundo está reclamando do preço dos combustíveis.
A classe média muitas vezes vê o carro como luxo, um conforto. Porém talvez o fato de os brasileiros serem apaixonados por carro talvez seja porque na periferia contar com o transporte público é ter sua qualidade de vida diminuída. Isso porque os carros do transporte público que vão pra periferia são velhos, não têm horários regulares, e uma viagem de menos de 10km pode se transformar numa jornada de mais de uma hora dependendo do horário em que você pega o ônibus. Se ele passar.
Se você mora na periferia, principalmente se você tem uma família com idosos e/ou crianças você não gosta de carro. Você PRECISA de carro.
Então quem você acha que gasta uma parte maior do seu salário com transporte? Quem mora no centro ou quem mora na periferia? Eu vou deixar o seu bom senso responder.
E isso vale pra tudo: saúde, educação, até mesmo lazer.
Lembrando que lazer é importante. Lazer não é recompensa, é direito. É saúde. Onde será que há mais atividades culturais? Lembrando que cultura não é só o que você gosta. Mas, penso que a quebrada acaba por inventar sua própria cultura porque talvez, se não fizer isso, ela não tenha opções de cultura.
O Estado não precisaria reprimir manifestações culturais periféricas associadas a crimes e violência se simplesmente ajudasse a organizá-las. Onde o Estado não chega, dá-se um jeito, e esse jeito nem sempre é o melhor. Se você fosse um adolescente, o que você iria querer fazer? Ir pro baile ilegal na pracinha, ou enfrentar duas horas de busão até o centro e correr risco de ter que voltar a pé? Isso é, se você tiver grana pro transporte e pro ingresso.
Ser pobre no Brasil é muito caro. E esse preço que a sociedade cobra do pobre acaba criando uma força inercial, uma espécie de buraco que afunda mais cada vez que você tenta sair dele. Isso não parece ser por acaso, as vezes parece um plano.
Penso que toda essa pressão sobre o pobre é uma tentativa do sistema de aprisioná-lo, mante-lo longe dos recursos, e assim, "acabando com pobre acaba a pobreza".
ResponderExcluirAcho que seu comentário faz todo sentido.
ExcluirTriste.
ResponderExcluirAí parece que estão os prisioneiros do abandono, a superpopulação carcerária.
Triste mas verdade...na periferia não há bibliotecas, clubes de esportes e as vezes nem praça . Para acessar tudo isto precisa de dinheiro, meios de transporte e sobra ócio e a insatisfação
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