Maldade ou engano? – Desigualdade, hierarquia e consciência social no Brasil

 O Brasil é um país rachado, e isso não começou com a polarização política dos últimos anos.

As vezes eu tenho a impressão de que o nosso país tem um regime de "castas" mais bem estabelecido do que países onde isso é imposto de forma religiosa, como é o caso da Índia. Talvez isso se deva a formação do nosso país, onde foi instituída uma "elite" financeira e política a ser servida pelo resto da população. Porém essa é uma separação que vai muito além do nível de acesso a renda ou outros direitos como moradia, saúde e educação. Essa separação também é cultural, mas num nível muito profundo, um nível que chega ao extremo de turvar a noção de realidade que as pessoas têm dependendo da posição social a qual ocupam. Ou seja, em termos da psicologia, a falta de consciência social.

Eu sou de uma família que veio do campo, descendentes de escravizados, imigrantes não brancos e índios. Na minha infância eu vivi na periferia, e passei um certo nível de pobreza. Isso me deu noção da realidade da maioria da população. Porém quando as coisas melhoraram e eu passei a frequentar certos círculos habitados pela tal "classe média" vi que havia ali uma clara distorção da noção da realidade.

Algumas camadas "superiores" da sociedade, e quando digo superiores falo apenas de poder político e aquisitivo, agem muitas vezes com uma falta de empatia extrema em relação as demais, principalmente em relação as pessoas que têm menos recursos que elas. E nem precisamos falar aqui d recorte racial e de outras minorias. Sendo que muitas das vezes não estamos errados em pensar que isso é maldade. Já lidei com pessoas que realmente acreditam em absurdos como meritocracia, democracia racial e até mesmo nesse neoliberalismo mambembe que alguns políticos fingem pregar. Mas será que isso justifica essa visão desumana do outro?

E então eu me questiono: será mesmo que essas pessoas conseguem olhar a sua volta e realmente não entender o que está acontecendo? Será que a cortina ideológica que talvez tenha cercado a sua criação e educação seja a única culpada desse tipo de visão? Ou será que é só pura maldade mesmo?

Responder essa pergunta pode parecer algo muito tentador, mas perigoso. Tentar classificar as pessoas de uma forma simplista, na verdade, é o que nos trouxe ao problema em que vivemos.

O Brasil é uma sociedade muito complexa. Somos um caldeirão onde se misturaram culturas inteiras e de onde saiu uma coisa completamente nova. Não sei se procurar culpados é a real solução para encontrar a resposta pra essa questão. Mas é preciso responsabilizar pessoas que têm a capacidade de, assim como numa vacina, injetar nas pessoas que estão nessas bolhas pequenas doses de realidade que possam gerar uma resposta empática. Então talvez assim possamos pensar num futuro melhor.

Somente quando a gente entende a dor do outro como sendo coletiva é que a gente consegue crescer enquanto sociedade. Porém, muitas vezes somos criados para pensar que o outro é diferente. E agora estamos sendo doutrinados para achar que o outro é o inimigo, ou no mínimo o culpado. Claro que a responsabilidade vai ser sempre de quem tem mais renda, mais acesso a direitos, mais voz política. É bizarro que as pessoas pensem que a realidade do asfalto é semelhante a do morro, que as pessoas que moram no alto da favela estão lá por escolha, ou que não fazem "por merecer" saírem de sua situação.

Precisamos corrigir esse erro sob risco de, enquanto brasileiros, continuar deixando de enxergar no outro um compatriota, ou pior... Deixar de ver no outro um ser humano.

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