Crônica: "Apesar de vocês"

Fotografia: manifestantes usando a bandeira nacional como capa andam em meio a pneus queimados.

Uma música tem tocado em looping na minha cabeça nesse dia das bruxas pós-eleição. “Apesar de você”, composta por Chico Buarque, foi uma canção de esperança censurada pela ditadura e que, pra mim, fala muito sobre o fim das eleições para presidente em 2022.


Essa música, pra mim,  é uma letra de transição de uma época de tristeza para uma de esperança. Como um profeta, Chico enxergou um tempo melhor que chega independentemente de qualquer escuridão.

E se destaca na voz do poeta o trecho “como vai impedir quando o galo insistir em cantar?”, simbolizando um novo dia que esses perdedores não querem ver nascer.

Daí, na noite de ontem, com a ordem do fim dos bloqueios, do fim da omissão da PRF, chegou até mim um vídeo. Operários ocupam uma rodovia, eufóricos pelo fim da paralisação. “Como vai se esconder da enorme euforia?”

Em sua maioria negros e pardos, retiram com mãos nuas galhos e outros objetos que cobriam a estrada, outros sinalizam para os carros aos berros de “vamo embora, vamo embora” e “acabou”. “Como vai se amargar vendo o dia raiar, sem lhe pedir licença?”

Um camisa verde amarela de voz murcha reclama “mas é uma manifestação”. Prontamente um operário, sem ser agressivo, mas com a voz firme, responde “Que manifestação, amigo? Eu quero ir pra casa! Amanhã tenho trabalho, vai trabalhar você também”.

É um novo dia. O galo já anunciou, não há retorno. Sim, senhor da madrugada, apesar de todo seu choro, de todo o seu “mimimi”, do seu covarde silêncio. Apesar de você, nenhuma sombra dura pra sempre. A chuva que vem hoje vai lavar toda a covardia para o bueiro, que é seu lugar.


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