Resenha: Carol e o fim do mundo (Netflix, 2023)


É o fim do mundo. Um planeta gigante está vindo em direção a terra e os cientistas dizem que, em pouco mais de cinco meses, tudo e todos que você conhece serão destruídos. É nesse contexto que Carol decide trabalhar num escritório.

Não é de hoje que se contam histórias sobre o apocalipse. O fim do mundo é tema de filmes, livros, séries e de muitos mitos. Mas como seria o fim do seu mundo? É essa a premissa que me levou a assistir a série, mas era uma armadilha, porque ela não falava sobre um apocalipse de proporções bíblicas e personagens que poderiam ser super militares ou mega cientistas como Hollywood já cansou de retratar, mas sim, um apocalipse que a cada dia que passa fica cada vez mais real e pessoal.

Cheia de alegorias e por vezes literal, a narrativa é intimista e conta com uma das personagens mais interessantes da ficção contemporânea: uma mulher de meia idade, solteira e com dificuldades de se socializar inclusive com a própria família, mas que ao longo da narrativa vai mostrando tudo que tem guardado dentro de si e o quanto aqueles seus atributos que parecem ser um defeito desviam a atenção de uma resolutividade de uma pessoa que, no fundo, não troca a busca incessante por si mesma, pelo seu verdadeiro desejo, por nenhuma ideologia ou pressão social.

Vi algumas pessoas compararem essa série com belas obras como Bojack Horseman ou Midnight Gospel ambos também da Netflix, no entanto, nenhuma delas é tão sensível e inteligível quanto Carol e seu fim do mundo. A depressão reativa de Bojack é um espetáculo muito interessante, porém eu não consigo me identificar com a agressividade e impulsividade dele e a psicodelia de Midnight Gospel pra mim é excessiva e me afastou um pouco.

Carol e o Fim do Mundo traz uma história pé no chão que fala sobre família, sobre as escolhas e os sacrifícios da vida adulta, sobre solidão e o encontro com o desejo do outro. Não é uma narrativa fácil de acompanhar porque, apesar de fugir da psicodelia ou das histórias não lineares, ela é extremamente intimista e, na minha opinião, focada em pessoas que, como Carol, se veem presas nesse verdadeiro turbilhão que é a vida adulta atravessada por todas as pressões sociais.

Aliás, vi muitas reclamações acerca do ritmo narrativo da série. De fato, ela revela uma estrutura antológica apenas no meio da história, quando passa a apresentar histórias de personagens secundários que, muitas vezes, pouco participaram da vida de Carol ou, até mesmo têm pouca conexão com ela naquela altura da história.

Porém, Carol é aquele tipo de jornada que não é sobre onde você quer chegar, mas é sobre o caminho. A sociedade em decadência da animação é uma das coisas mais interessantes que eu já vi nesse tipo de narrativa: os roteiristas nunca querem focar nos saques, no caos ou na violência de uma sociedade que ruiu durante o apocalipse, mas sim em como as pessoas estão lidando com o fim do mundo e com o abandono da necessidade de sacrificar o desejo para se viver em sociedade.

Então é um apocalipse onde todo mundo ficou de boa? Não. O caos e a violência ainda estão lá, mas são mostrados de uma forma quase que poética, sem abandonar a graça e a delicadeza da narrativa em nenhum momento, mas está lá como um plano de fundo, num diálogo ou em situações que parecem ser uma comédia, mas que são extremamente macabras.

Mas enfim, não posso tecer mais elogios a essa série sem me entregar aos spoilers, então recomendo que você assista até o fim pois, assim como a vida, essa é uma história agridoce que precisa de paciência e estômago para apreciar.

Apesar de ter apenas 10 episódios, eles são bem densos e não têm aquele ritmo de filme de super-herói ou série para jovens adultos cheios de reviravoltas o tempo todo para competir com o TikTok pela sua atenção. Os dilemas de Carol são adultos, um tipo específico de adulto que hoje está no final dos 30, início dos 40 e sente aquela angústia sobre solidão, sobre o que queremos, o nosso destino, sobre a relação com o trabalho e, por que não, sobre o fim do mundo mesmo, seja na forma da morte individual de cada um ou sobre o fato de hoje em dia você poder ligar a TV e ver no noticiário que “estamos num caminho sem volta” e ainda assim bater seu ponto todo dia. É real, vivemos o fim do mundo de Carol também.

Para encerrar, aviso ao leitor que Carol e o Fim do Mundo é uma obra que só pode ser julgada em seu final. Seus episódios são bem heterogêneos, mas não devido às reviravoltas, mas sim aos cenários, ângulos narrativos e, porque não, a mudança. Não é não é a mudança da personagem Carol, aliás, isso é uma das coisas que eu mais gosto na série. Carol não muda, ela continua sendo ela mesma durante os dez episódios de forma bem sólida. O que muda é a forma como vemos ela e aprendemos a nos identificar com ela e amá-la.

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