Internet: lugar de desencontro (crônica)

Eu tive o privilégio de crescer junto com a internet. Ainda na minha pré-adolescência vi meu lar ser invadidos por cabos e conexões que abriram um mundo novo pra mim lá na periferia. Com seus ruídos e rugidos, a internet discada estendia seus tentáculos pelas redes telefônicas e invadiu minha casa através do meu PC velho, um 486, me recordo bem, com seu sonoro Windows 98 que avisava quando podia ser finalmente desligado. A internet era um lugar livre, onde você podia conhecer gente de todo mundo, de todo tipo de pensamento, com todo tipo de intenções. Fiz amigos no antigo mIRC que carrego nos contatos até hoje, conheci obras e possibilidades artísticas que me seriam negadas na periferia e, concluo, que se não fosse pela internet eu nunca seria escritor.

Mas será que toda essa liberdade da internet dos anos 2000 ainda existe hoje? Talvez. Alguma coisa dela eu ainda vejo no Reddit, vejo também em outros fóruns independentes, mas não nas gigantes redes sociais que amarraram a liberdade de expressão em seus algoritmos. A verdadeira censura, na minha opinião, não é a que impede um suposto direito de cometer crime de ódio, como a direita bizarra pensa, mas sim de falar para quem quiser ouvir. Toda grande rede social tem sua censura estabelecida pelo poder aquisitivo. Salvo raras exceções, é muito difícil construir um bom perfil sem tráfego pago. Repito, crimes devem ser combatidos de fato, liberdade de expressão não é liberdade de odiar. No entanto, enquanto alguns pintam governos como vilões (e precisamos lembrar que muitas vezes eles o são), bilionários como Elon Musk acabam revelando de fato de que lado estão.

O próprio Twitter é uma excelente amostra disso que estou falando. Eu me criei no Twitter, conheci muitas pessoas, e algumas delas até bem importantes, por lá. Hoje o Twitter (me recuso a chamar de X) mantém seus seguidores como reféns entregando menos que um décimo das visualizações que teríamos se ele, de fato, mostrasse as postagens na forma de linha do tempo, ou seja, mostrando as postagens na medida em que são publicadas, e não com algoritmos que selecionam as postagens de acordo com um suposto gosto que teríamos. Aliás, há muitas teorias por aí que comprovariam que o objetivo desses algorítmos não seria "mostrar o que a gente quer ver", mas sim influenciar o que queremos e assim vender publicidade.

Portanto, concluo que a internet não é mais um lugar de encontro, um lugar que ajudou um garoto negro a fugir da periferia, a conhecer pessoas do outro lado do país e até do mundo, mas hoje um lugar de bolhas que se tornam cada vez mais herméticas, um lugar de manipulação ideológica, focada em capitalizar até mesmo a alma das pessoas que ali estão.

É por isso que voltei pra este blog, para que não seja esse espaço virtual mais um lugar de desencontro.

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