Caso Leo Lins ou Quem está rindo?
A situação envolvendo a condenação do humorista Leo Lins por conta de seus crimes cometidos em palco me acionou diversos gatilhos. Um deles é que vivemos numa sociedade egoísta cuja empatia diminui cada vez mais e, o segundo, é que estamos perdendo cada vez mais a conexão com a realidade objetiva.
É fato, o limite do humor é um assunto que se discute até bem antes do nascimento da internet. Nem mesmo o stand up, essa modalidade de comédia em que o humorista fica sobre o palco contando anedotas sozinho, é novidade. Por aqui, pouca gente sabe, mas até mesmo atores como ninguém menos que Eddie Murphy iniciaram suas carreiras contando piadas de pé sob um holofote triste. E diga-se de passagem, o stand-up por si só já tem uma fama de ser bem polêmico desde aquela época.
O ator Pedro Cardoso, que parece ter se tornado uma espécie de ativista/intelectual de esquerda, já avisou isso muitas vezes, que o Stand Up é um tipo de arte que talvez não seja tão ética. Isso porque, numa peça de teatro ou qualquer outro tipo de performance, existe um contrato social onde está implícita a não realidade daqueles eventos.
No entanto, os artistas de Stand Up não fazem esse pacto. Muito antes das redes sociais e até mesmo dos reality shows, os artistas de Stand Up se apresentavam como personalidades reais, quando, na verdade, esses artistas estão interpretando papéis com direito, inclusive, a roteiro e a criação de histórias fictícias para apresentar.
E, numa era em que as pessoas acreditam que podem ficar ricas com criptomoedas duvidosas, jogos de azar eletrônicos e até mesmo com o “poder da vontade”, não estabelecer esse pacto pode ser, como eu já disse, algo muito problemático.
E aí eu me questiono quem são essas pessoas que riem.Quem são essas pessoas que riem de piadas feitas sobre escravização do povo negro, piadas sobre Holocausto e piadas sobre bebês com hidrocefalia? Quem é o tipo de pessoa que se atrai por uma personalidade que, mesmo que seja um personagem, sobe ao palco vestido de Hitler com o bigode natural incluso?
Qual o tipo de pessoa que esse sujeito está tentando atrair, e qual o tipo de pessoa se identifica com esse “risco” de ter sua “liberdade tolhida”. Liberdade de quê? Liberdade para quê?
Digo isso porque um dos principais argumentos das pessoas que estão indo a público defender Leo Lins estão dizendo que sua condenação foi algo “exagerado”, sendo que, aparentemente, como já dito, o humorista parece ter feito da ofensa sua arte. Ele foi advertido e repudiado sistematicamente mas, talvez, tenha se iludido pelos milhões de seguidores que atraiu.
Sim, milhões.
Quem são essas pessoas? O Brasil é um país muito grande, mas são milhões de pessoas rindo, rindo de quê? O que essa gargalhada diz?
E como estamos falando aqui também de um afastamento da realidade, estou aqui um homem negro, de origem periférica falando desse humorista que nunca tinha ouvido falar antes e agora, cheguei a assistir até mesmo trechos de seus shows. Assisti vídeos sobre o assunto de sua possível prisão. Li textos jornalísticos. Um sujeito que eu nem conhecia.
Há aqueles que dizem que existe uma tática de militância de forçar a barra contra o sistema, ir ao extremo para quando a consequência vier, ser alegada uma “perseguição”. Não estou afirmando que pode ser esse o caso, mas será mesmo que Leo Lins não acreditava que isso podia acontecer? Que o clamor público de indignação seria uma hora tão grande que as autoridades não seriam forçadas a tomar uma atitude drástica?
Aliás, quanto tempo será que ele vai ficar na cadeia, digo, se ele realmente for preso o que, até o momento em que eu escrevia esse texto, não aconteceu.
Tudo hoje em dia parece um grande espetáculo, uma grande peça teatral transmitida por uma telinha onde o público está tão iludido que se esquece quem são os personagens. Lembremos, por exemplo, do recente fenômeno midiático dos bebês reborn que quase chegou a ser discutido como uma questão de “saúde pública” quando se tratava, ao que parece, de apenas uma “trend” de vídeos satíricos nas redes sociais.
Quem são essas pessoas?
Quem são essas pessoas que acham que mulheres estão “surtando” ao ponto de acreditarem que bonecas são filhos legítimos e que isso é uma epidemia de saúde mental? Quem são essas pessoas que acham que tudo bem fazer uma “piadinha” com pessoas negras, escravização, deficiência, holocausto.
O que eu sei é que eu não estou rindo.
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