Fiz um curso de abraçar árvores e me tornei um artista melhor

marina abramovic wants us to complain to trees about this ...

Como toda pessoa artista, a pessoa que escreve sempre tenta se aprimorar e, recentemente, após uma de nossas longas conversas, minha curadora e concierge (minha esposa) me indicou pesquisar sobre Marina Abramović, uma artista performática que ficou muito famosa por trabalhos onde ela: ficava nua e deixava as pessoas fazerem o que quisesse com seu corpo, ficou por horas gritando, visitou João de Deus e ficou semanas no MOMA (Nova York) apenas permitindo que pessoas ficassem sentadas numa cadeira diante dela, encarado a artista.

Daí recentemente eu comecei a ser bombardeado por muitas propagandas de uma plataforma de cursos da BBC chamada BBC Maestro, que eu já conhecia porque tinha visto alguns vídeos do curso de ninguém menos que Alan Moore (autor de quadrinhos como V de Vingança e Watchmen).

Como é difícil achar coisas sobre a Abramovic (pelo menos eu achei difícil) e, insistentemente cutucado pelo algoritmo que me oferecia o curso dela, decidi ver do que se tratava.

A princípio, achei fora de cogitação pagar 180 reais num curso que dava direito há 2h de aulas divididas em trechos de poucos minutos e um PDF, mas daí descobri que podia comprar o plano anual da plataforma que dá acesso a todos os cursos, usar por 1 mês e pedir reembolso (se eu quiser).

Daí fui assistir o curso da mulher. Ele se chama "A Arte de Estar Presente" e a princípio ela propõe um monte de exercícios para que a gente "esteja presente" no momento, pelo menos enquanto artista.

De cara já logo me lembrei do conceito de Awareness da psicologia que foi descaradamente furtado pelos coaches. Depois um dos exercícios era abraçar uma árvore e reclamar com ela. Outro era usar um chapéu cônico que tem um ímã que, nas palavras da artista, "canaliza as energias do universo". E você tem que usar ele enquanto caga num dos exercícios.

Marina Abramovi?

Tá, paramos por aqui. Vamos pedir o reembolso, certo? Errado. Ainda tinha o curso do Alan Moore que eu queria ver todo, porque só tive acesso a trechos no canal do YouTube da BBC. Mas acabou que eu assisti o curso todo da Abramovic.

De uma certa forma, eu acredito que Marina não estava falando completamente sério sobre os exercícios e eles não são sobre "energia do universo". Energia é uma palavra que a gente usa, muitas vezes, pra descrever a potência de algo. 

Por potência eu falo de um vir a ser, uma possibilidade de existir ou de fazer algo. Talvez quando os místicos falam de energia eles falam daquela "energia psíquica" que o Freud descreve, que é uma forma simbólica de descrever o que move o sujeito. 

Então, quando queremos "canalizar energias", como eu escuto muito da galera mística, eu acho que estão falando de alguma forma de controlar o desejo, como uma espécie de prece ao inconsciente.

Ou eu posso estar justificando o investimento financeiro e emocional que fiz no curso (apesar da possibilidade de reembolso).

Mas eu consegui tirar coisas positivas do curso, até cheguei a fazer um exercício que achei interessante que é o de respiração. Entendi que a "moral da história" dos exercícios da Abramovic é que, se você consegue controlar seu corpo e mente a ponto de fazer todas aquelas coisas estranhas, você consegue se dedicar a sua arte, você consegue estar, de alguma forma, 100% ali na sua performance.

Ao fim do curso, ela mesma fala que os exercícios não foram feitos para serem feitos rigorosamente. Um deles, por exemplo, envolve encarar uma parede por horas, contar grãos de arroz. É tudo sobre estar dentro da sua mente, mas "no controle", se é que isso é possível. Bom, segundo ela é. Segundo a psicanálise, nunca estamos no controle.

Mas, talvez, para a pessoa artista não é sobre estar no controle, é sobre se entregar a arte de uma forma absurda, como ela fez na performance onde deixava as pessoas fazerem o que quisessem com ela. Estar presente, disponível, com todas as suas falhas, medos, angústias. Sem mentiras. Sem mercado, aliás ela faz algumas críticas leves ao mercado de arte, leves mas incisivas.

Daí, durante essa semana me vi citando o curso dela numa conversa do trabalho em que tínhamos uma questão ética para responder e percebi que, talvez o artista esteja se tornando presente aqui. E aí?

Comentários

Veja também:

Artigos populares