O paradoxo da espera do ônibus e a perda da confiança nas instituições

Imagem: Captura de tela trecho do vídeo "O Paradoxo da Espera do Ônibus", retirado do YouTube. Na ilustração  que faz parte de uma animação se vê a sombra de um jovem num ponto de ônibus contra uma paisagem urbana.

Quem vai pro ponto de ônibus só comete este ato porque confia que em algum momento um motorista saiu de sua casa, um mecânico fez sua manutenção, enfim, várias pessoas atuaram para que, em algum momento, um ônibus passasse por ali e executasse o transporte de passageiros. A exemplo do vídeo "O paradoxo da espera do ônibus", uma animação clássica da internet, temos a confiança de quanto mais esperamos o busão, menos teremos que esperar porque ele certamente está vindo:

 

Vídeo: o Paradoxo da espera do ônibus, um clássico da internet.

Se você é membro da sociedade, isso faz com que você imagine uma rotina diária que é embasada principalmente na confiança em outras pessoas. Isso porque você se organiza, acorda na hora, pega seu carro ou um ônibus, vai até um local e cumpre uma série de tarefas com a confiança de que no fim do mês vai ser recompensado com um pagamento, e que este vai garantir que você consiga efetuar outras atividades de seu interesse.

Tudo isso só funciona porque você confia em um conjunto de instituições que só funcionam porque outras pessoas acreditam nelas.

As roupas que você usa pra trabalhar, os meios que você utiliza para chegar até o trabalho e até mesmo o dinheiro que vai pra sua carteira no fim do mês, tudo isso só existe e funciona porque combinamos enquanto sociedade vários conjuntos de regras que se tornaram tão sólidos que a gente age como se essas regras fossem uma coisa natural, que acontece automaticamente.

• [Atualizado em 01/02/2021] Gravamos um episódio do nosso podcast Segurando Vela sobre este assunto. Ouça no tocador abaixo:
  

Exceto quando esses serviços não acontecem automaticamente.

Eu sou uma pessoa que tem o hábito de assistir o jornal da manhã antes de sair de casa. E sempre acabo vendo uma notícia ou outra sobre o trânsito, e uma das maiores reclamações sempre são atrasos, superlotações, enfim, inconsistências no funcionamento do transporte público. E quando esse serviço não funciona a tendência é que a gente pare de confiar nele.

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Podemos pensar nesse mesmo processo sendo aplicado a educação, saúde, justiça e por aí vai. Quanto pior é funcionamento desses serviços, menos a gente confia neles. E aí a gente vai perdendo também a confiança no poder público como instituição, e por consequência no estado!

E dentre todos os desmontes do pouco que conquistamos nos meros 30 anos de democracia, penso que a pior de todas elas pode ser um enfraquecimento da confiança nas instituições.

O brasileiro é um cidadão que sofre. Um ser que ao ligar a televisão muita das vezes é confrontado com um mundo que destoa de sua realidade: um mundo de regras e direitos que, muitas das vezes não se faz presente de forma material em sua vida. É por isso que, na minha visão o brasileiro de verdade, aquele que vive na periferia e precisa batalhar todos os dias pra sobreviver, mesmo antes de todas essas crises que vivemos, sempre olhou com desconfiança pros políticos e seus governos. Afinal de contas a política brasileira cada vez mais se aproxima de uma caricatura caótica que tem por único norte a corrupção. Se mesmo especialistas têm dificuldade em entender tudo que acontece no Brasil imagina o povo?

Então é natural, ou seja, lógico que o povo perca confiança nas instituições e a ordem social vá pro brejo. 

O conceito de instituição é amplo, mas aqui queremos nos ater ao conceito de ordem, de organização da sociedade. Uma escola tem por objetivo ensinar, um equipamento de saúde promover a saúde e por aí vai. Mas o problema é que, na sociedade brasileira o cidadão é condicionado a não confiar na função básica dessas instituições afinal esta é a nação onde a escola nem sempre ensina e que a saúde nem sempre cura. A quebra dessa confiança nas instituições faz o brasileiro (e qualquer pessoa envolvida nesse processo) crer que você precisa ser independente das instituições, pois confiar nelas não é seguro. O brasileiro então passou a ver mais valor no risco da sobrevivência individual do que na garantia de direitos.

É por isso que discursos antipolíticos soam tão tentadores, pois muitas vezes eles defendem essa independência.

No entanto essa visão é torta, afinal de contas somos seres sociais, e a biologia nos prova que boa parte da nossa evolução ao menos nos últimos 20 mil anos não foi de forma necessariamente biológica, mas sim social. Chegamos a lua, inventamos a internet não por conta de alguma mutação genética, mas sim pela capacidade de acumular informação e de trabalhar em conjunto. Dependemos uns dos outros e crescemos como sociedade na mesma medida em que aumentamos a nossa dependência dela. Por isso ter um cidadão que não confia nas instituições é sinal de atraso, de que falhamos enquanto sociedade. E este, na minha visão, é um processo psicológico predominante na formação do cidadão brasileiro.

E então mergulhamos num ciclo vicioso: quanto mais fracas são as instituições menos o brasileiro confia nelas, e quanto menos confiamos, mais elas se enfraquecem.

Queríamos dizer que isso é um paradoxo para rimar com o título desse artigo, porém ele mais se parece com uma espiral para baixo cujo fim é uma catástrofe.

Quando a sociedade perde a confiança nas instituições a própria sociedade se enfraquece. As instituições não se alimentam só de verbas, RH, de equipamentos e estruturas arquitetônicas, mas também essencialmente da confiança que a sociedade deposita nelas. É importante destacar que minar a confiança nas instituições em prol de um projeto de poder político, como é o caso que estamos vendo em 2020, é um tiro no pé. Afinal de contas, o que sustenta o poder político no fim das contas são as instituições.

Isso é, quando falamos de democracia, claro.

É interessante manter a democracia, mesmo com todos os seus defeitos, porque a alternativa é o caos. Enquanto o brasileiro acreditar que é mais seguro ser um lobo solitário achando que a política do "cada um por si" é mais garantida do que a vida em sociedade, mais ele vai cair na falácia de esquecer que lobos são animais que vivem em grupos raramente se dando bem sozinhos, e que crenças embasadas meramente em tradições não foi o que nos trouxe aqui. A quebra desta confiança nas instituições nos leva a um caminho extremamente perigoso que é inclusive prejudicial até mesmo para aqueles que almejam se manter no poder, afinal de contas, quando você ataca instituições que garantem direitos básicos dos cidadãos, nada mais é garantido, exceto a força e a violência!