Crônica: tempo de colher.

 

Descrição da imagem: Um pouco de chá numa colher de madeira sobre um pote de pedra.

Um dia há milhares de anos alguma pessoa pode ter olhado para o céu e tido pela primeira vez a consciência da passagem do tempo, de como as coisas a nossa volta mudavam conforme aquelas luzinhas cintilantes no céu apareciam à noite se movendo lentamente num espetáculo celeste. Então nossos cérebros que são máquinas de procurar padrões entenderam que conforme o ano passa existe a época de plantar e a época de colher. 

Muitas vezes, a época de colher era marcada por fartura, que por vezes poderia vir depois de uma época difícil marcada inclusive por períodos de fome. Portanto, ter essa capacidade de enxergar esses padrões na passagem do tempo talvez tenha gerado em nós a capacidade de ter esperança de dias melhores, dias mais fartos, onde a sobrevivência não é mais uma preocupação.

Em 2021 as coisas são bem diferentes do tempo acima. Hoje são poucas as pessoas que precisam se preocupar com a hora de plantar ou colher. Ainda sofremos para sobreviver e, principalmente no nosso país, infelizmente comida ainda é a preocupação de muitas pessoas. Porém marcar a passagem do tempo talvez não seja algo tão vital assim para a nossa sobrevivência quanto era na pré-história.

No entanto, essa esperança que marca essas festas de passagem que anunciavam tempos mais fartos ainda seguem vivas, mesmo que tenham adquirido um sentido mais simbólico. Festas de fim de ano, solstício, natal ou seja lá qual o nome que se dê para esses eventos onde celebramos a passagem do tempo ainda têm um papel fundamental no nosso comportamento. Nos reunimos com nossos familiares, caprichamos na medida do possível na mesa do jantar e olhamos pra frente no tempo, esperando que tempos melhores estejam se aproximando.

Talvez, sentados na mesa ao lado de nossos familiares sendo aquecidos pelo fogo da esperança na forma de uma boa comida seja possível entender aquelas pessoas que olhavam para cima sorridentes há milhares de anos, observando no seu primeiro relógio e calendário: as estrelas, com esperança de que o tempo de colher está chegando.

Que 2022 seja isso. Tempo de colher.