Deus não está no templo - Por que fechar as igrejas?

Fotografia de cadeiras vazias em uma igreja. Créditos: "photosforyou" via PixaBay.

Em meio a maior crise sanitária já vivida por este país, intelectuais, políticos e próprio povo batem cabeça discutindo o que deveria fechar e o que deveria abrir. É por conta dessa falta de alinhamento que morrem milhares de pessoas por dia.

Não estamos aqui para discutir a legalidade da decisão do STF, afinal de contas esse não é um blog de direito, mas queremos aqui entender as origens psicossociais desse grande mal entendido que tomou conta do povo brasileiro sobre a grande necessidade do fechamento de certas instituições.

É importante ressaltar no entanto que aqui falaremos de religião apenas como um exemplo de todas as instituições que deveriam estar colaborando nesse momento, e tendo em vista que, assim como a grande maioria dos especialistas, concordamos que boa parte dessa culpa reside no Governo Federal que deveria estar gerenciando esta crise e não apenas colocando a culpa única e exclusivamente nos dirigentes dessas instituições que possam estar se aproveitando do momento.

Primeiro precisamos entender que as igrejas possuem um poder político fora do comum no Brasil.

E isso não acontece por acaso, como eu já disse no passado [1] (bibliografia no fim do texto), o primeiro balizador do comportamento humano durante o surgimento das sociedades como conhecemos hoje pode ter sido a religião. Portanto, não é de se surpreender que até hoje essas instituições exerçam massivo poder político.

Depois é importante também ressaltar que fé e religião, para este autor, são conceitos diferentes.

Já falamos por aqui [2] que fé é um sentimento, uma experiência única e pessoal enquanto a religião é uma instituição, ou seja, um conjunto de pessoas e regras que balizam o comportamento coletivo. Isso faz toda a diferença na hora de entendermos o contexto desse artigo, pois soluciona o grande problema que temos no Brasil hoje, que é quando a fé se mistura com política.

Também já abordamos a relação danosa que pode surgir da mistura entre fé e política [3], mas hoje queremos destrinchar por que o fato de igrejas (e outras instituições) serem abertas é um fenômeno político e não moral, ou muito menos de fé.

Primeiro precisamos considerar que quando falamos de poder político historicamente falamos das religiões cristãs.

Não estamos aqui negando que não existam movimentos políticos embasados por religiões de outras matrizes, mas é importante notar que visivelmente, as religiões cristãs estão massivamente envolvidas na política brasileira. Claro, isso não significa que todos os cristãos ou todas as igrejas estejam envolvidas na política, mas que há grandes representantes delas nos três poderes isso não se pode negar[4].

Todas essas desculpas servem para justificar o fato de nos atermos a, inclusive, trechos da bíblia e interpretações teológicas para que se destaque a gravidade da situação em que vivemos.

Igrejas disputam poder político no Brasil.

As igrejas têm grande influência no governo atual, constituindo inclusive boa parte de sua base de apoio, alguns grupos de religiosos têm sido de grande importância para o governo Bolsonaro [5 e 6]. Por isso nossa intenção aqui é provar que a resistência ao fechamento das igrejas pouco tem a ver com fé, ou mesmo a religião, mas sim com política.

Destacamos, no entanto, que nosso objetivo aqui não é ofender a fé de ninguém. Inclusive, reconhecemos a importância social e até mesmo psicológica das igrejas na cultura do nosso povo [7].

Porém é necessário ter em mente que a religião cristã prega o amor a Deus, e não ao templo.

Discutir religião sempre pode ser algo complexo, porém na psicologia comportamental entendemos que enriquecer o repertório comportamental de um cliente pode fazer com o que o mesmo seja bem sucedido na alteração de comportamentos indesejáveis.

Por isso falar de religião pode enriquecer o debate e tirar um pouco de uma névoa de sentimentos que esteja ofuscando a visão de pessoas que, apesar de bem intencionadas, podem estar sendo vítimas de manobras políticas.

O templo vazio.

No último domingo (04/04/2021) infelizmente passamos pela segunda páscoa dessa pandemia. É interessante termos em vista todo o simbolismo do renascimento na época em que vivemos [7]. E inclusive precisamos pensar ainda na estrutura teológica cristã desta data.

Afinal, ao narrar a morte de Cristo, nada menos que três evangelistas descrevem que o véu do templo se partiu (Marcos 15:38; cf. Mateus 27:51 e Lucas 23:45). Esta espécie de cortina era o que separava os fiéis do santíssimo, local sagrado onde somente os sacerdotes poderiam entrar para falar com Deus.

Para muitos religiosos, isso significa que o sacrifício de Jesus destrói essa barreira entre Deus e seus fiéis, fazendo com que o contato com Ele seja pessoal e direto, ou seja sem intermediações. Então Deus não está no templo, mas sim acessível para todos que quiserem acessá-lo.[8].

Em consulta para este texto, o cristão Welington Gama ressalta que, em diversas passagens da bíblia, Jesus  e seus apóstolos dizem que Deus não se encontra em templos ou em locais santos, porque o mesmo é "espírito". Um exemplo é Atos 17 que versa:

(24) O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens;
(25) Nem tampouco é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas;

Portanto, isso nos leva a concluir que se o argumento das igrejas é continuarem abertas para a manutenção do livre exercício da fé, eis a palavra da própria Bíblia dizendo que não é necessário um templo para exercitá-la.

Outro argumento a ser oferecido poderia ser o do conforto psicológico oferecido pelas igrejas. Porém, muitas religiões e iniciativas cristãs têm encontrado formas de exercer sua fé e o cuidado comunitário mesmo sem o contato físico ou a reunião nos templos[9].

Se não é por fé, não é pra cuidar do próximo então pra que manter os templos abertos?

Reforçamos que aqui não estamos defendendo o fechamento apenas de templos cristãos, ou exclusivamente de templos de qualquer tipo, mas sim falando de um lockdown completo feito com as orientações que os especialistas pregam através da ciência.

Tendo isso em vista, para nós não restam argumentos que embasem arriscar a vida de pessoas que estão buscando conforto apenas por uma motivação que é aparentemente política

Se já não bastam os governantes jogarem com a vida da população como se fossem meros peões prontos a serem sacrificados, não podemos ver também os pastores mandar saltar do penhasco as ovelhas que juraram cuidar.

ANEXO: 

Recomendamos ainda uma indicação feita pelo Weligton de um vídeo do canal "Dois Dedos de Teologia" que expande ainda mais o assunto:

BIBLIOGRAFIA

  1. Tiago Cabral. "A Fé e a Lei"
  2. Tiago Cabral. "Fé e religião não são a mesma coisa"
  3. Tiago Cabral. "O problema de se misturar fé e política"
  4. Carta Capital. "Brasil o país onde os evangélicos mais avançam na política".
  5. Jornal do Comércio. "Bolsonaro busca fortalecer base com evangélicos".
  6. O Tempo. "Evangélicos aumentam pressão em Bolsonaro por indicação ao STF".
  7. Tiago Cabral. "Crônica: Esperança em tempos de dor".
  8. Blog Defendendo a fé Cristã. "Por que o véu do templo se rasgou em duas partes, de alto a baixo, quando Jesus morreu?"
  9. Estado de Minas. "Templos da Arquidiocese de BH terão missas sem fiéis".

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